Haja produção agrícola: nos próximos 30 anos, será preciso alimentar 10 bilhões de pessoas, 30% a mais do que atualmente, segundo estimativas da ONU. A questão é como garantir a segurança alimentar do mundo e, ao mesmo tempo, preservar o meio ambiente. A resposta pode estar em soluções como a recuperação de pastagens degradadas, que podem ser convertidas para a agricultura.
A degradação do solo é mais comum do que se pensa — e costuma acontecer por fatores como o manejo do solo inadequado, excesso de plantas daninhas e o aumento de área sem cobertura vegetal, o que pode causar erosão e a perda de nutrientes.
A boa notícia é que inovações como o desenvolvimento de novas sementes, adequadas para vários tipos de solo, além do avanço tecnológico do maquinário agrícola e técnicas como o plantio direto (em que as sementes são plantadas no solo não revolvido e os restos de vegetação da superfície são mantidos) vêm facilitando a conversão de pastagens para a agricultura.
No Brasil, foi possível recuperar quase 20 milhões de hectares de pastagens degradadas, de um universo de cerca de 120 milhões de hectares, entre 2000 e 2021, segundo dados do Laboratório de Processamento de Imagens (Lapig) da Universidade Federal de Goiás, que vem estudando o assunto.
O meio acadêmico tem sido um aliado nesse processo, com avanços importantes nas pesquisas sobre técnicas de recuperação de pastagens. Nos últimos anos, a Embrapa desenvolveu desde fertilizantes biológicos específicos para determinadas regiões do país, como o Centro-Oeste, até tecnologias de regeneração de pastagens para o Norte, em que há mais umidade e a terra costuma encharcar.
Uma das soluções já testadas em campo, no Acre, é a inibição do crescimento de plantas daninhas em pastos danificados por meio da aplicação de duas doses de herbicida em intervalos de um mês. Os produtores rurais também são incentivados a utilizar a técnica do plantio direto.
O grau de complexidade para regenerar o solo está diretamente relacionado aos danos que a área sofreu. Há diversos graus de degradação de pastagens, que podem ir do mais brando, quando é preciso apenas reforçar o combate a ervas daninhas em locais específicos, ao mais severo, com erosão do solo e outros problemas que exigem mais recursos para serem contornados.
No Brasil, 38% das pastagens degradadas se encontram no chamado no nível moderado, com a presença de plantas daninhas em parte do terreno e um aumento de solo descoberto, e 14% enfrentam condições mais severas.
As pastagens com nível moderado de degradação podem ser mais facilmente convertidas em áreas agrícolas. A maioria está concentrada em locais como o Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Paraíba. No Cerrado, com 39% de pastagens em grau moderado de degradação, a conversão para a produção agrícola vem sendo observada de perto pelos pesquisadores, embora ainda não haja dados oficiais a respeito.
“No Centro-Oeste, temos acompanhado muitos proprietários rurais convertendo pastagens degradadas em áreas agrícolas por fatores que vão da valorização do preço dos grãos a maior facilidade de se obter crédito em função de critérios de sustentabilidade”, diz Vinicius Vieira Mesquita, pesquisador do Lapig, que percorreu Estados como o Mato Grosso e Goiás recentemente para coletar dados sobre pastagens degradadas. Um estudo mais completo deve ser publicado no ano que vem.
Em todo o Brasil, a área de pastagens aumentou em 80 milhões de hectares entre 1985 e 2022, atingindo cerca de 165 milhões de hectares, com a expansão concentrada até 2006. No mesmo período (entre 1985 e 2022), a área destinada à agricultura teve um crescimento de quase 42 milhões de hectares, sendo que 21 milhões de hectares são de pastagens que foram convertidas para a produção agrícola.
A valorização das commodities agrícolas no mercado internacional, como a soja, é apontada como umas principais razões para a conversão de pastos degradados em áreas de cultivo de alimentos. Apenas entre 2012 e 2022, os produtores brasileiros receberam cerca de 6% a mais (em valores corrigidos pela inflação) pela saca de soja, segundo a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo.
O desenvolvimento de cultivares para biomas com índices mais restritos de fertilidade do solo, como o Cerrado, também incentivou esse movimento. Inovações da própria cadeia de produção do agronegócio representam outro fator importante. “Maquinários mais modernos, capazes de operar inclusive em terrenos com declives, normalmente usados para pastagem, são um bom exemplo dessa tendência”, explica Mesquita, do Lapig. Com isso, a agricultura vem ganhando novas possibilidades.
A preocupação crescente com sustentabilidade é apontada como mais um elemento essencial dos esforços pela regeneração do solo. Regras de comércio internacional mais rígidas, como a nova lei europeia sobre importação de alimentos de áreas com passivos ambientais, já estão batendo à porta. Ao mesmo tempo, diversos indicadores ESG, como a recuperação da saúde do solo, são cada vez mais valorizados, apontando caminhos para o futuro.
Fonte: Olhar Digital
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