Ao longo de quatro bilhões e meio de anos, processos geológicos, químicos e biológicos, transformaram nosso planeta em um ambiente ideal para abrigar a vida. A superfície da Terra é calma, possui terrenos variados, uma boa quantidade de água e baixa atividade geológica, enquanto a nossa atmosfera nos fornece os gases essenciais para todos os seres vivos além de nos proteger de um espaço exterior extremamente hostil à vida. 

Mas há cem anos, algo vindo do espaço abalou a tranquilidade deste planeta para nos lembrar da nossa fragilidade e nos ensinar um pouco mais sobre os eventos colossais que deram origem ao nosso mundo e a todo o Sistema Solar. Há cem anos, fomos atingidos por uma rocha espacial, um pedacinho do Asteroide Vesta, que acertou a Terra, explodiu sobre Alagoinha, em Pernambuco, e ficou conhecido como o Meteorito Serra de Magé.

[ Fragmento do meteorito Serra de Magé – Imagem: Monig Museum (https://monnigmuseum.tcu.edu/) ]

Era uma segunda-feira, dia 1° de outubro do ano de 1923. Em Alagoinha, então distrito de Pesqueira, no Agreste Pernambucano, as pessoas seguem sua rotina normal de início de semana. Agricultores no campo preparando a terra para o plantio, comerciantes atendendo seus clientes, professores orientando seus alunos e, como em toda cidade do interior, muitas pessoas nas janelas e sentadas em frente às casas, apenas conversando ou vendo o tempo passar. 

De repente, por volta das 11 horas da manhã, ocorreu algo estranho no céu. Algo que marcou para sempre a vida daquelas pessoas: um forte clarão foi visto, como um relâmpago, vindo da direção sudeste, se deslocando de baixo para cima, até explodir sobre a cidade, deixando um enorme rastro de fumaça no céu. Tal visão foi seguida de uma “forte trovoada”, um grande estrondo e outros menores. Tudo isso durou cerca de 3 minutos. 

Hoje em dia, graças à divulgação científica, muita gente sabe que fenômenos assim são provocados pela passagem atmosférica de rochas espaciais. Para orbitar o Sol, essas rochas precisam viajar pelo espaço a altíssimas velocidades. Pelo menos 40 mil quilômetros por hora quando se aproximam da Terra. Nessa velocidade, quando atingem a atmosfera do nosso planeta, elas acabam comprimindo e aquecendo os gases atmosféricos, o que gera uma bolha de plasma que brilha intensamente no céu. É esse fenômeno luminoso que conhecemos como meteoro.

O calor gerado na passagem atmosférica geralmente vaporiza a maioria dos fragmentos de rocha espacial. Mas objetos maiores, além de gerar um meteoro mais intenso, também resistem mais ao calor, e ao atingir as camadas mais baixas e densas da nossa atmosfera, enfrentam uma maior resistência do ar, o que pode fragmentar a rocha e gerar uma onda de choque, percebida em solo como um grande estrondo ou “trovoadas”.

[ Passagem atmosférica de uma rocha espacial – Créditos: BRAMON ]

Agora, imagine 100 anos atrás. Não existiam smartphones, computadores, televisão e até mesmo o rádio, acabara de chegar ao Brasil, com sua primeira estação sendo inaugurada no Rio de Janeiro menos de um mês antes. As pessoas daquela pacata cidade, simplesmente não faziam ideia do que haviam visto. Muitos correram para casa apavorados e enquanto todos, assustados, buscavam entender o que teria acontecido, algo ainda mais extraordinário surpreendeu a população: uma verdadeira chuva de pedras caiu do céu. 

Na época, muitos relatos espantosos circularam nos jornais e nas conversas de beira de calçada, que eram a “rede social” daquele tempo. Muitos falaram que o clarão era tão intenso que, mesmo durante o dia, ofuscava a vista. Outros relataram a avassaladora trovoada que ecoou pelos céus, fez tremer as paredes, e fez o primeiro de outubro de 1923 ficar conhecido na cidade como “O Dia do Estrondo”. Ainda há alguns que afirmaram terem visto as tais pedras caindo do céu, ainda soltando fumaça, atingindo as casas e rolando pelo chão.

[ Feira livre de Alagoinha, PE, provavelmente nos anos 30 – Fonte: Blog Adilson Costa ]

Em Garanhuns, distante 60 km do local, vários prédios tiveram as vidraças quebradas e objetos derrubados das prateleiras pela onda de choque gerada pela explosão. Na Serra do Magé e em Cacimbinha, algumas casas foram atingidas por fragmentos do meteorito chegando a quebrar as telhas em uma delas.

Evidentemente que tais relatos podem não ser tão precisos, principalmente dada a ausência de imagens do ocorrido. Pode até ter um pouco de história inventada para relaxar, mas, guardadas as devidas proporções, os fatos narrados naquela época lembram outro famoso caso meteorítico ocorrido 10 anos atrás: o meteoro de Chelyabinsk, na Rússia.

O fenômeno foi mais intenso entre Garanhuns e Alagoinha, mas também foi observado em outras cidades ao redor e até mesmo em Serra Talhada, na época chamada de Vila Bela, a mais de 200 km de distância.

A notícia dos fatos ocorridos na região se espalhou rapidamente e acabou atraindo a atenção de cientistas. Os fragmentos de rocha que caíram do céu foram então estudados e tiveram a sua origem espacial comprovada. Era mesmo um meteorito, que recebeu o nome de Meteorito Serra de Magé, em referência ao local onde foram encontrados. 

O Serra de Magé, tinha uma característica marcante: uma crosta de fusão vítrea, brilhante e esverdeada. Foi classificado com um Eucrito, um tipo de meteorito que não apresenta côndrulos e que teve origem na crosta de um corpo maior, que já passou pelo processo de diferenciação, que separa ferro, níquel e outros materiais mais densos em seu núcleo, deixando os silicatos e materiais mais leves na crosta.

[ Interior e crosta de um fragmento do meteorito Serra de Magé – Imagem: Edwin Thompson ] 

50 anos depois,  os cientistas passaram a desconfiar que os Eucritos, juntamente com os Howarditos e os Diogenitos, poderiam ter origem no Asteroide Vesta, algo que só foi comprovado em 2012 com a Missão Dawn. 

Segundo os estudos mais aceitos atualmente, Vesta sofreu um violento impacto cerca de 1 bilhão e meio de anos atrás. Esse impacto deformou completamente a superfície do asteroide, criou a Cratera Rheasilvia, proporcionalmente uma das maiores do Sistema Solar, e lançou para o espaço cerca de 1 bilhão de toneladas da massa de Vesta. Esses fragmentos geraram uma família de asteroides, chamada de vestóides, e frequentemente, alguns deles atingem a Terra, como aconteceu em Alagoinha, um século atrás.

[ Asteroide Vesta registrado pela Sonda Dawn, com destaque para o pico central da cratera Rheasilvia na parte inferior da imagem – Créditos: NASA ]

Devido às suas características peculiares, o Serra de Magé se tornou um dos meteoritos brasileiros mais estudados em todo o mundo. Sua chegada na Terra, ocorrida há cem anos, não apenas fez tremer a pacata cidade no Agreste Pernambucano, mas também contribuiu para a nossa compreensão sobre a origem e a evolução de nosso Sistema Solar. Esse acontecimento extraordinário nos lembra da nossa fragilidade diante dos eventos colossais que movem o Universo. Os fragmentos de meteoritos recuperados pelos moradores foram passados de geração em geração, mostrando a importância daquele evento que marcou a vida de muita gente e a história da cidade. O Meteorito Serra de Magé, foi muito mais do que um simples fragmento de rocha espacial. Foi um presente de Vesta e mais uma pecinha do nosso quebra-cabeças que tenta explicar as origens do nosso Sistema Solar.