A revista Nature, uma das mais prestigiosas publicações científicas do mundo, retirou na terça-feira (7) um artigo que havia sido publicado em março, afirmando a descoberta de um supercondutor que funcionava em temperatura ambiente.

O que você precisa saber:

Os supercondutores

Descobertos pela primeira vez em 1911, os supercondutores podem parecer quase mágicos — eles conduzem eletricidade sem resistência. No entanto, não há materiais conhecidos que sejam supercondutores em temperatura ambiente. A maioria requer temperaturas ultrabaixas, e avanços recentes em direção a supercondutores que funcionam em temperaturas mais altas exigem pressões esmagadoras.

Um supercondutor que funcione em temperaturas e pressões cotidianas poderia ser utilizado em ressonâncias magnéticas, dispositivos eletrônicos inovadores e trens levitantes.

Os supercondutores se tornaram inesperadamente um tópico viral nas redes sociais durante o verão, quando um grupo de cientistas na Coreia do Sul também afirmou ter descoberto um supercondutor à temperatura ambiente, chamado LK-99. No entanto, a empolgação diminuiu rapidamente, já que outros cientistas não conseguiram confirmar as observações de supercondutividade e apresentaram explicações plausíveis alternativas.

Embora tenha sido publicado em uma revista de alto perfil, a reivindicação do Dr. Dias de um supercondutor à temperatura ambiente não causou euforia como o LK-99, porque muitos cientistas já duvidavam de seu trabalho.

Artigos anteriores

Menos de três anos antes, a Nature havia publicado um artigo do Dr. Dias e muitos dos mesmos cientistas. Ele descreveu um material diferente que eles disseram ser um supercondutor, mas apenas sob pressões esmagadoras de quase 40 milhões de libras por polegada quadrada. No entanto, outros pesquisadores questionaram alguns dos dados do artigo. Após uma investigação, a Nature concordou e retirou o artigo em setembro de 2022, apesar das objeções dos autores.

Em agosto deste ano, a revista Physical Review Letters retirou um artigo de 2021 do Dr. Dias que descrevia propriedades elétricas intrigantes, embora não supercondutividade, em outro composto químico, sulfeto de manganês.

James Hamlin, professor de física da Universidade da Flórida, informou aos editores da Physical Review Letters que as curvas em uma das figuras do artigo que descreviam a resistência elétrica no sulfeto de manganês pareciam semelhantes a gráficos na tese de doutorado do Dr. Dias que descrevia o comportamento de um material diferente.

Especialistas externos convocados pela revista concordaram que os dados pareciam suspeitosamente semelhantes, e o artigo foi retirado. Diferentemente da retração anterior da Nature, todos os nove coautores do Dr. Dias concordaram com a retração. O Dr. Dias foi o único a se opor e manteve que o artigo retratava com precisão as descobertas da pesquisa.

Após a retratação da Physical Review Letters, a Universidade de Rochester confirmou que havia iniciado uma “investigação abrangente” por especialistas não afiliados à instituição. Uma porta-voz da universidade disse que não tinha planos de tornar os resultados da investigação públicos.

O artigo retirado da Nature

No artigo da Nature publicado em março, o Dr. Dias e seus colegas relataram que haviam descoberto um material — o luetium hidreto com a adição de nitrogênio — que conseguiria superconduzir eletricidade a temperaturas de até 70 graus Fahrenheit (cerca de 21 °C).

Ainda assim, era necessária uma pressão de 145 mil libras (cerca de 66 toneladas) por polegada quadrada, o que não é difícil de aplicar em laboratório. O material adquiria uma tonalidade vermelha quando comprimido, levando o Dr. Dias a apelidá-lo de “reddmatter”, em referência a uma substância da franquia Star Trek.

Em maio deste ano, o Dr. Hamlin e Brad J. Ramshaw, professor de física na Universidade de Cornell, enviaram às editoras da Nature suas preocupações sobre os dados do luetium hidreto no artigo de março. Após a retratação pela Physical Review Letters, a maioria dos autores do artigo do luetium hidreto concluiu que a pesquisa de seu artigo também estava incorreta.

Em uma carta datada de 8 de setembro, oito dos 11 autores pediram a retratação do artigo da Nature. “O Dr. Dias não agiu de boa-fé em relação à preparação e envio do manuscrito”, disseram eles à Nature.

Os escritores da carta incluíam cinco estudantes de pós-graduação que trabalharam no laboratório do Dr. Dias, bem como Ashkan Salamat, professor de física na Universidade de Nevada, Las Vegas, que colaborou com o Dr. Dias nos dois artigos anteriormente retirados. O Dr. Dias e o Dr. Salamat fundaram a Unearthly Materials, uma empresa destinada a transformar as descobertas supercondutoras em produtos comerciais.

O Dr. Salamat, que era o presidente e diretor-executivo da empresa, não faz mais parte dela. Ele não respondeu a um pedido de comentário sobre a retratação ao The New York Times.

No aviso de retratação publicado na terça-feira, a Nature afirmou que os oito autores que escreveram a carta em setembro expressaram a visão de que “o artigo publicado não reflete com precisão a procedência dos materiais investigados, as medidas experimentais realizadas e os protocolos de processamento de dados aplicados.” Os problemas, disseram esses autores, “prejudicam a integridade do artigo publicado.”

O Dr. Dias e outros dois autores, ex-alunos dele, “não declararam se concordam ou discordam desta retratação”, diz o aviso. Uma porta-voz da Nature disse que eles não responderam à proposta de retratação. “Esta foi uma situação profundamente frustrante”, afirmou Karl Ziemelis, editor-chefe de ciências aplicadas e físicas da Nature, em um comunicado.

Ziemelis defendeu a abordagem da revista em relação ao artigo. “De fato, como tantas vezes acontece, os revisores especializados altamente qualificados que selecionamos levantaram várias questões sobre a submissão original, que foram amplamente resolvidas em revisões posteriores”, disse ele. “É assim que funciona a revisão por pares.” Ele acrescentou: “O que o processo de revisão por pares não pode detectar é se o artigo, conforme escrito, reflete com precisão a pesquisa conforme ela foi realizada.”

Para o Dr. Ramshaw, a retratação forneceu validação. “Quando você está investigando o trabalho de outra pessoa, sempre se pergunta se está apenas vendo coisas ou interpretando demais”, disse ele.

A Universidade de Rochester removeu vídeos do YouTube que produziu em março, nos quais funcionários da universidade elogiavam a pesquisa do Dr. Dias como uma descoberta inovadora.

O futuro dos supercondutores

As decepções com o LK-99 e as reivindicações do Dr. Dias podem não deter outros cientistas de investigar possíveis supercondutores. Duas décadas atrás, um cientista da Bell Labs, J. Hendrik Schön, publicou uma série de descobertas surpreendentes, incluindo supercondutores inovadores. Investigações mostraram que ele havia inventado a maior parte de seus dados.

Isso não impediu descobertas posteriores de supercondutores importantes. Em 2014, um grupo liderado por Mikhail Eremets, do Instituto Max Planck de Química na Alemanha, mostrou que compostos contendo hidrogênio são supercondutores em temperaturas surpreendentemente altas quando submetidos a pressões ultragrandes. Essas descobertas ainda são amplamente aceitas.

Russell J. Hemley, professor de física e química da Universidade de Illinois Chicago, que acompanhou o trabalho do Dr. Eremets com experimentos que encontraram outro material que também era um supercondutor em condições de ultrapressão, continua a acreditar nas descobertas do luetium hidreto do Dr. Dias.

Em junho, o Dr. Hemley e seus colaboradores relataram que também haviam medido o aparente desaparecimento da resistência elétrica em uma amostra fornecida pelo Dr. Dias, e na terça-feira, o Dr. Hemley disse que continua confiante de que as descobertas serão reproduzidas por outros cientistas.