Um grupo de 16 cientistas de diferentes áreas e instituições produziu o primeiro relatório sobre inteligência artificial (IA) a pedido da Academia Brasileira de Ciências (ABC). O relatório intitulado “Recomendações para o avanço da inteligência artificial no Brasil” alerta para os principais riscos e benefícios que essa tecnologia pode trazer ao país. O documento lançado hoje, 9 de novembro, será encaminhado ao governo federal.

De acordo com o professor Edmundo Albuquerque de Souza e Silva, membro da ABC e um dos porta-vozes do relatório, em análise feita para a Agência Brasil, a tecnologia está avançando rapidamente e vivemos um momento de mudança tecnológica disruptiva.

Ele compara essa mudança à Revolução Industrial, que ocorreu na Inglaterra no século 18 e transformou a sociedade, levando-a da agricultura para as fábricas. “Agora, é outro tipo de mudança, mas vai causar impacto muito grande. A diferença é que, a mudança atual se baseia em tecnologia sofisticada. Vai ter impacto muito grande em emprego, não só naqueles repetitivos, mas também naqueles que tenham um patamar de conhecimento maior”, disse ele.

O professor ressalta que, para uma economia emergente como a do Brasil, é essencial tomar as providências necessárias para dominar a tecnologia.

Porque, para dominar a tecnologia, você precisa ter conhecimento bastante especializado. Senão, vai ficar totalmente dependente em termos de tecnologia. Esse é um risco muito grande que a gente precisa estar ciente.

Professor Edmundo Albuquerque de Souza e Silva

O relatório destaca que o futuro da sociedade brasileira será moldado pelas escolhas feitas pelo governo e pela sociedade em relação à inteligência artificial. Sem investimentos adequados nessa área, o Brasil corre o risco de enfrentar um declínio tecnológico e ficar à mercê de países que estão na vanguarda desse campo.

O ChatGPT

A necessidade de especialização diante da inteligência artificial

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Imagem: Stokkete / Shutterstock.com

O professor da Coppe, Edmundo Albuquerque de Souza e Silva, reforçou à Agência Brasil a importância da especialização na área de inteligência artificial em relação aos empregos. Ele destaca que o nível de especialização exigido será cada vez maior, e é urgente a formação de profissionais qualificados em áreas como aprendizado de máquina e ciência de dados. Países que já são líderes em tecnologia iniciaram essa formação há pelo menos uma década.

No entanto, o professor alerta para o perigo de precisar de profissionais altamente especializados para desenvolver a tecnologia, enquanto empregos mais simples podem ser automatizados. Com o aumento da produtividade proporcionado pela inteligência artificial, pessoas com conhecimentos básicos de programação podem ser dispensadas, dando lugar a profissionais mais especializados ou que possuam conhecimentos em diversas áreas. Essa mudança pode impactar negativamente os empregos menos especializados.

Essa situação é preocupante caso a tecnologia não seja desenvolvida rapidamente e as pessoas não sejam educadas para alcançar níveis mais altos de conhecimento. O cientista da UFRJ ressalta que essa é a grande diferença entre a Revolução Industrial do século 18 e a era da inteligência artificial. A transição agora é muito mais desafiadora, pois exige um nível muito maior de especialização.

Necessidade de campanha nacional

O relatório da ABC destaca a importância de uma campanha nacional de informação sobre inteligência artificial (IA) no Brasil. O objetivo é garantir que a população compreenda o que é a IA e que esse assunto seja integrado ao currículo escolar. Além disso, o relatório propõe a criação de centros de pesquisa específicos sobre IA nas universidades do país.

De acordo com o documento, é crucial que o Brasil estabeleça políticas públicas e faça investimentos para reverter o atraso em relação à IA. O professor Souza e Silva ressalta a necessidade de um pacto em IA, envolvendo a ciência, os setores público e privado, e as entidades organizacionais. Essa parceria deve levar o conhecimento sobre essa nova tecnologia à sociedade, além de criar mecanismos que possam diminuir os riscos e evitar problemas em diversas áreas, como medicina e advocacia.

O professor Virgílio Almeida, diretor da ABC, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do grupo de trabalho, destaca a importância de investimentos em pesquisa e desenvolvimento em IA no Brasil. Ele ressalta que o país não pode se limitar a ser apenas um consumidor dessa tecnologia fornecida por outros países.

É preciso começar logo, porque esse desenvolvimento voa e outros lugares estão investindo, acelerando e criando políticas sobre o tema. O Brasil, por seu tamanho e importância, não pode ficar atrás. Do contrário, aumentará a distância entre o crescimento econômico aqui e o do mundo desenvolvido.

Professor Virgílio Almeida, diretor da ABC

Benefícios em diversos setores

A inteligência artificial (IA) possui um potencial significativo de aplicação benéfica em diferentes áreas, como destacado pelo professor Souza e Silva. Na educação, por exemplo, a tecnologia pode agilizar e enriquecer o processo educacional, permitindo a apresentação de materiais ricos e personalizados.

Os professores podem se concentrar mais na parte crítica do ensino, desenvolvendo o pensamento crítico dos alunos. Além disso, a IA tem o potencial de promover a criatividade, curiosidade e oferecer conteúdos personalizados, com o objetivo de reduzir a evasão escolar.

Na área da saúde, a IA pode auxiliar no diagnóstico e identificação de doenças, personalização de tratamentos e até mesmo no uso de robôs em procedimentos médicos. Os dados do Sistema Único de Saúde (SUS) podem ser utilizados para desenvolver políticas públicas, aprendendo com essas informações e aplicando técnicas de IA para compreender melhor os problemas enfrentados pela população.

No entanto, é importante ressaltar que a IA não deve substituir o médico no momento de dar um diagnóstico, pois o potencial de erros seria muito grande. A IA pode ser uma ferramenta auxiliar para ajudar os médicos a identificar informações mais difíceis de detectar, mas é fundamental que o profissional esteja preparado para utilizar essa tecnologia de forma crítica.

O relatório também menciona as aplicações da IA no setor de energia, auxiliando na prevenção de fenômenos climáticos e na tomada de decisões mais acertadas. No campo da biodiversidade, a IA pode ser utilizada para prever problemas relacionados às mudanças climáticas, acelerar a proteção do meio ambiente e monitorar animais de forma mais eficiente. Há uma ampla gama de aplicações em que a IA já está sendo utilizada.

No setor empresarial, as empresas podem aproveitar a tecnologia da IA para melhorar o atendimento aos clientes, fornecendo informações mais precisas e personalizadas. Além disso, a IA pode ser aplicada na otimização de processos e no avanço de formas mais humanas de automação. No entanto, é fundamental utilizar a IA de maneira correta e crítica, reconhecendo seu papel como facilitador e auxiliar nas tomadas de decisões.

Necessidade de minimizar riscos

Um documento elaborado pela ABC ressalta a importância da regulamentação da IA como forma de minimizar os riscos associados a essa avançada tecnologia. Entre as preocupações levantadas está a violação da privacidade, uma vez que os dados dos usuários da internet são utilizados para treinar algoritmos de IA. Outro risco mencionado é a disseminação de preconceitos e o aumento das desigualdades, uma vez que os algoritmos podem absorver os vieses e preconceitos dos humanos que os treinam.

O professor Souza e Silva destaca a existência de riscos sociais e éticos relacionados ao uso da IA, e ressalta a importância de estarmos conscientes e educados sobre o impacto que essa tecnologia pode causar. Ele defende a criação de uma legislação que puna os responsáveis pela criação de textos falsos, mas ressalta a necessidade de uma regulação mais complexa, que não tolha a sociedade. O objetivo é promover um debate aberto com a sociedade para aprimorar a legislação existente e abordar as questões relacionadas à IA.

O documento da ABC recomenda a criação de regras e limites para o uso da IA, mas destaca a importância da participação ativa da comunidade científica nas discussões. O desafio é encontrar um equilíbrio entre a proteção da sociedade e o desenvolvimento tecnológico contínuo. O professor Virgílio Almeida destaca que esse é apenas o primeiro documento sobre IA que será aprofundado pela ABC.

O grupo de trabalho responsável pelo documento contou com a participação de pesquisadores de diversas áreas, como ciências da computação, ciências sociais, física e saúde, entre outras. A colaboração entre especialistas de diferentes campos é fundamental para abordar os desafios e os impactos da IA de forma abrangente.