O problema mundial de energia poderia, talvez, ser resolvido de forma “simples”: pegue um pouco de hidrogênio e exploda-o com lasers para desencadear uma pequena explosão termonuclear.

Isso é o que um pequeno grupo de startups vêm visando conseguir, trabalhando com suas próprias versões, com diferentes lasers, técnicas para desencadear as reações de fusão e elementos para serem fundidos juntos.

“Tem sido um crescimento rápido”, afirmou Andrew Holland, CEO da Fusion Industry Association (Associação de Indústrias de Fusão, em portguês literal), lobby de grupos comerciais por políticas para aumentar a velocidade de desenvolvimento da fusão, ao The New York Times.

As empresas privadas prometem inovação rápida, mas esse é um avanço alcançado com grande, caro e pesado projeto do governo dos EUA que vem estimulando a atual onda de atenção à infusão a laser.

Sonho da fusão

Eis a explicação sobre a perseguição pela fusão:

Por mais de 70 anos, a pesquisa sobre a fusão foi muito focada em emular o interior do Sol em reatores, conhecidos como tokamaks, que prendem gás hidrogênio superquente em campos magnéticos fortes, de modo que os átomos colidirão e se fundirão.

A NIF ofereceu outra possibilidade: inicialmente, ela foi designada para verificar simulações computacionais de explosões nucleares após um tratado baniu testes reais de explosões de armas nucleares.

Um segundo objetivo da instituição era explorar a possibilidade de a tecnologia ser adaptada para fornecer fonte de energia abundante e limpa.

Até dois anos atrás, a NIF não estava tão perto de alcançar seus objetivos, algo que mudou radicalmente em dezembro.

“Simplificando, este é um dos feitos científicos mais impressionantes do século XXI”, afirmou Jennifer M. Granholm, secretária de energia dos EUA, durante a conferência de imprensa comemorativa que anunciou o feito.

Já em julho deste ano, Livermore repetiu o sucesso, gerando ainda mais energia. Os pesquisadores de lá realizaram o estudo ao lado de cientistas de outras instituições, como o Laboratório de Pesquisa Naval em Washington e o Laboratório para Energias a Laser na Universidade de Rochester em Nova York.

Apesar de os lasers nessas instituições não são tão fortes para criarem fusão, eles permitiram aos pesquisadores para investigar um pouco de ciência básica e ajustar seus conceitos para uma escala menor.

Há, ainda, muita ciência e tecnologia fundamentais a serem feitas. Não estamos prevendo o cronograma, mas estou muito otimista.

Dr. Akli, do Departamento de Energia dos EUA, em entrevista ao The New York Times

Operadores da área-alvo da NIF inspecionaram conjunto óptico final durante manutenção de rotina (Imagem: Jason Laurea/Lawrence Livermore National Laboratory)

Empresas privada e cientistas seguem o mesmo caminho

Enquanto as empresas privadas estão entrando na onda da energia por fusão, os cientistas estão seguindo de perto.

Debra Callahan trabalhou na NIF em Livermore por mais de 20 anos. Um experimento com o qual ela contribuiu em agosto de 2021, inclusive, significou grande avanço.

Apesar de, à época, estar aquém da conquista da ignição, a quantidade de energia de fusão liberada aumentou, deixando claro que a explosão gerou torrentes de partículas que esquentaram o hidrogênio ao redor, desencadeando cascatas de reações de fusão extras.

Hoje, Callahan é cientista sênior na Focused Energy, uma das várias startups de infusão a laser. “Para mim, este é o próximo grande desafio – tentar fazer energia por fusão. Gostaria de ver mais energia limpa para minha filha e seus futuros filhos”, afirmou.

Diferentes visões sobre a energia por fusão

Desde o começo deste ano, o Departamento de Energia dos EUA buscou visões acadêmicas e da indústria sobre os desafios tecnológicos que estão entre o resultado da ciência básica da NIF e as plantas de energia de infusão a laser comerciais ligadas à rede elétrica.

O NYT relatou que agência concedeu prêmios para duas startups para que elas comecem a desenvolver como seria essa usina, além de estar visando financiar consórcios de instituições, de modo que estas lidem com peças de pesquisa de infusão a laser, incluindo relacionadas a lasers de alta potência capazes de atirar a altas taxas, e abastecer alvos que podem ser manufaturados em quantidade por baixo custo.

A empresa Longview Fusion Energy Systems, de Orinda, Califórnia, tem estratégia simples, a mais simples de todas: replicar, diretamente, a abordagem da NIF, mas usando componentes modernos.

“O motivo de estar tão contentes com isso é que a base do que estamos fazendo se mostrou sólido”, ressaltou Edward Moses, CEO da empresa. Moses liderou a constituição e as pesquisas iniciais da NIF, que começou a atirar seus lasers em 2019.

Naquela época, a Livermore gastou US$ 100 milhões (R$ 490,7 milhões) para desenvolver o design para uma planta energética comercial baseado na NIF, disse Moses.

Ela foi vetada por oito das principais concessionárias. Portanto, temos ela como um ativo.

Edward Moses, CEO da Livermore, ao The New York Times

A atualização-chave na planta da Longview serão os lasers. Os lasers da NIF são potentes, porém, ineficientes. Da energia que a NIF puxa da rede elétrica para cada disparo, cerca de 1% é convertido em luz de laser. Os lasers também podem disparar apenas dez vezes por semana.

A Longview, por sua vez, quer usar lasers eletrificados por diodos da indústria de semicondutores, tecnologia essa que pode ser 20% mais eficiente e capaz de disparar várias vezes por segundo.

Porém, Moses tem suas críticas ao método, que relembra seu tempo como chefe na NIF, e diz que ele prometeu demais e exagerou o potencial energético da tecnologia. Alguns também duvidam que o método de ignição da NIF seja o futuro da tecnologia.

Abordagem da Focused Energy usa pulsos (Imagem: Focused Energy)

Diferentes abordagens

Na abordagem da NIF, chamada de acionamento indireto, os feixes do laser não atingem o combustível de hidrogênio diretamente. Ao invés disso, eles aniquilam um cilindro de ouro ao redor, com tamanho e forma de uma borracha.

Isso gera um banho de raios-x que correm para dentro e comprimem um pellet redondo, que contém camada de deutério e trítio, duas das formas mais pesadas de hidrogênio.

Mas há um problema: o passo extra de geração dos raios-x desperdiça muita energia do laser. “O acionamento indireto não será a base de uma instalação de energia de fusão inercial”, enfatizou David A. Hammer, professor de energia nuclear na Universidade Cornell, que atuou em painel consultivo da NIF.

Em seu lugar, alguns, incluindo do Laboratório de Pesquisa Naval, buscam o acionamento direto, no qual os lasers implodem diretamente os pellets de hidrogênio, abordagem essa que provou ser mais eficiente em termos energéticos, gerando mais energia e sendo potencialmente mais viável economicamente falando.

Stephen Obenschain, que liderou o programa de fusão a laser do Laboratório de Pesquisa Naval por mais de 20 anos, deixou a instituição para criar sua própria empresa de fusão de acionamento direto, a LaserFusionX.

Os pesquisadores do laboratório de pesquisa naval pressionam para poder usar uma espécie de laser que usa gases argônio e flúor para poder produzir luz ultravioleta a laser.

Segundo esses pesquisadores, simulações feitas por computador mostram que os lasers de fluoreto de argônio de potência modesta poderiam gerar ganhos de energia (proporção da profução de energia de fusão dividida pela energia dos lasers divididos) de 100 ou mais – a explosão do NIF, em julho, produziu ganho de 1,8.

Ganhos energéticos elevados a esse nível poderiam permitir centrais elétricas menores e menos custosas. Os lasers ganham poder alinhando ondas de luz em sincronia. Contudo, isso também torna difícil para os lasers iluminarem uniformemente, levando a compressão desigual.

Obenschain contou que “fomos ao extremo oposto e tentamos transformá-la em luz parcialmente incoerente”.

O laser de fluoreto de argônio pode brilhar uniformemente, atenuando instabilidades conforme o hidrogênio implode, explicou Obenschain. Um sistema de laser no laboratório naval foi capaz de disparar cinco vezes por segundo, sendo que duplicar esse número, segundo Obenschain, seria “uma pequena mudança”.

O doutor disse, ainda, que começou a pensar na criação de empresa há alguns anos após ver bilhões de dólares de investidores de risco serem investidos em empresas que faziam a abordagem tradicional de fusão tokamak. “Então, de repente, parecia haver oportunidade”, afirmou.

Diagrama do reator de fusão da Focused Energy, que usa lasers de estado sólido (Imagem: Focused Energy)

Livermore pode sair do “universo imaginário”

O sucesso da Livermore está ajudando a convencer investidores de que a fusão a laser vai além do que apenas obra de ficção científica.

Certamente, a injeção da NIF ajuda nas vendas. Acho que poderíamos passar de um ponto de partida para um reator em cerca de 16 anos.

Stephen Obenschain, fundador da LaserFusionX, em entrevista ao The New York Times

Outra startup do ramo, a Xcimer, de Redwood City, Califórnia, planeja usar lasers de gás fluoreto de criptônio, mas com energias bem mais altas (eventualmente, um sistema que produz em torno de duas vezes mais energia que os lasers da NIF) e empregar sistema híbrido de abordagem, ou seja, impulso indireto-direto.

A Xcimer propõ o uso de pulso indireto de raios-x para aquecer o pellet para, depois, acertá-lo diretamente com lasers para começar a fusão. “Isos aproveita o que foi demonstrado na NIF”, atesta Connor Galloway, executivo-chefe e cofundador da Xcimer.

“Compreensão semelhante de combustível, convergência semelhante da ignição do ponto quente do combustível”, completou.

A Focused Energy, onde Callahan trabalha atualmente, também visa usar múltiplos pulsos. Mas isso será, como a Longview, usa lasers de estadao sólido alimentados por diodo.

O primeiro pulso comprime o combustível do pellet, mas não tão forte como na NIF. Um pulso de um segundo laser cria um feixe de prótons que atinge o pellet em colapso e inicia a fusão.

A abordagem da Focused Energy é mais complexa que a transmissão direta, contudo, a compressão mais suave do combustível facilita em evitar as instabilidades “É uma troca”, pontuou Callahan.

Transformação de átomos em elemento pesado

Existe outra forma de transformar átomos em elemento pesado. A HB11 Energy, de Sydney (Austrália) planeja usar a fusão dos elementos boro e hidrogênio.

A reação de fusão entre esses elementos fornece vantagens importantes. O boro existe em abundância e é fácil de se obter. Já a forma pesada do hidrogênio necessária para a boa parte dos conceitos de fusão a laser, o trítio, tem meia-vida de 12 anos somente.

Dessa forma, os reatores precisarão gerar o trítio que utilizam. Ainda, boa parte da energia da fusão deutério-trítio sai como nêutros em movimento rápido, que atingem o reator, de modo a enfraquecer sua estrutura e tornando-a levemente radioativa.

A falta de radioatividade para a fusão hidrogênio-boro significa que “todas as desvantagens que conhecemos sobre a energia nuclear desaparecem.

Warren Mckenzie, diretor-gente do HB11, em entrevista ao The New York Times

Mas há um porém: é mais difícil fazer com que o hidrogênio e o boro se fundam.

A maneira mais simples de ver isso é que ainda temos alguma ciência a fazer. Mas se conseguirmos fazer a ciência funcionar, nosso nível de engenharia será muito, muito menor.

Warren Mckenzie, diretor-gente do HB11, em entrevista ao The New York Times

Por sua vez, a Marvel Fusion, de Munique (Alemanha), usa hidrogênio e boro, mas de outra forma. Eles misturam os elementos com deutério e trítio, formando ligações químicas que permitem um combustível sólido mesmo em temperatura ambiente.

Dessa forma, eles são capazes de eliminar a necessidade de congelamento do deutério e do trítio em temperaturas ultrabaixas. Um combiustível sólido em temperatura ambiente permitirá a incorporação de estruturas no alvo, que atuarão como pequeninos aceleradores de partículas. Assim que os lasers atingem o alvo, as estruturas explodem.

Segundo Hartmut Ruhl, professor de física da Universidade Ludwig Maximilian e cientista-chefe da Marvel.

É muito fácil atingir temperaturas extremamente altas no combustível. Também é muito fácil comprimir rapidamente o combustível.

Hartmut Ruhl, professor de física da Universidade Ludwig Maximilian e cientista-chefe da Marvel, em entrevista ao The New York Times

Duas empresas, a Ligh Fusion subsidiária da Universidade de Oxford, e a NearStar Fusion, de Cahntilly, Virgínia, não devem usar lasers, mas, sim, esmagarão projéteis em pellets de combustível com a força do impacto para fundir os átomos de hidrogênio.

A NearStar, por sua vez, adiciona campo magnético muito forte para ajudar a reter o calordentro de cada implosão.

Premiações

O Departamento de Energia dos EUA dará prêmios multimilionários à Focused Energy e à Xcimer Energy para apresentarem conceitos para usina-piloto. Por sua vez, as companhias precisarão cumprir diversos marcos para obterem a premiação.

A Marvel anunciou parceria público-privada (PPP) com a Colorado State University, que servirá como banco de testes para desenvolver sua fusão. A companhia fornecerá dois lasers, que custarão US$ 50 milhões (R$ 245,3 milhões). Por sua vez, a universidade vai construir infraestrutura circundante por US$ 100 milhões (R$ 490,7 milhões).

A instalação e o centro de laser da universidade será disponibilizada a pesquisadores.

Estamos construindo exatamente esses lasers para as instalações do Colorado – pulso ultracurto, intensidade ultra-alta – que podem impulsionar esse conceito específico.

Moritz von der Linden, presidente-executivo da Marvel, em entrevista ao The New York Times

Concorrência? Por enquanto, nem tanto

Nesse momento, os concorrentes não estão brigando entre si, mas, sim, torcendo uns pelos outros.

Não creio que estas abordagens de fusão sejam concorrentes. Espero que todos nós façamos funcionar. Há demanda de energia suficiente para todos.

Todd Ditmire, professor de física da Universidade do Texas em Austin e cofundador da Focused Energy, em entrevista ao The New York Times