Os clubes de futebol foram criados, inicialmente, para servir como uma ferramenta social e de lazer. O tempo foi passando, o esporte saiu de uma parcela da elite para se tornar o mais praticado no Planeta Terra. Os clubes são representações de comunidades. Geram um sentimento de pertencimento a algo maior, para além de instituições convencionais. Vai muito além do racional, testa a paixão dos envolvidos duas vezes na semana, pelo menos. Tudo isso para dizer que o Corinthians é a mais pura representatividade de um “Bando de Loucos”. Dentre eles, Dyego Coelho.
Dyego, quando criança, era tão corintiano que o pai evitou, de todas as formas, o levar para fazer testes no Timão. Fazia em tudo quanto era time, menos no Corinthians… “Eu era pequeno, mirradinho, era sempre reprovado. Meu pai não queria que passasse pela decepção de ser reprovado no Corinthians”, contou, em entrevista para a reportagem de oGol.
Só que o teste no Corinthians foi inevitável e, ao mesmo tempo, surpreendente. Depois de tanto não, Dyego ouviu um “sim”. Começava, ali, a história daquele menino no futebol. E ela quase durou pouco: Coelho abandonou os treinos no Corinthians pela imposição, na época, de mandar a campo jogadores de uma determinada empresa. Andrés Sánchez, então diretor da base, teve de ir na casa de Dyego para convencer ele a voltar.
“Eu não queria mais jogar futebol, e ele (Andres) foi lá me buscar. Sou grato por isso, por ter me buscado. Antigamente tinha muito aquilo: tem que jogar o filho de fulano, aquilo me irritou. Minha mãe falou que eu não ia, que não precisava, e ele foi lá me buscar na minha casa”, contou.
Dyego morava longe do CT, muitas das vezes saía de casa sem comer, e tinha que passar por baixo da roleta, já que não tinha dinheiro para a passagem. Teve uma infância em uma região difícil, violenta, mas em casa recebia tudo o que um menino mais precisa: caráter.
“A maior pressão era quando meu pai saía para procurar emprego e minha mãe falava que tinha que voltar com algo para a gente comer. Eu entendi o que era pressão ali. Meus pais sempre tentaram tirar essa pressão de mim. Eu vim de um lugar perigoso, violento. Mas meu pai queria que eu me divertisse, jogasse futebol. Às vezes o menino começa a ganhar dinheiro hoje com 17, 18 anos, o pai para de trabalhar, a mãe para de trabalhar, o irmão. É difícil o menino ter essa personalidade de falar: ‘Não, vocês vão continuar trabalhando’. E meu pai sempre falou isso: filho não sustenta pai”, contou.
Quando assinou o primeiro contrato profissional, entretanto, Dyego Coelho pôde dar uma casa aos pais. Crescia, aos poucos, no futebol. Embora tivesse dificuldade para ganhar espaço em um dos melhores times do Brasil na virada do século.
Coelho foi gandula, frequentou e treino muitas das vezes no profissional. Com caras que ficava apenas observando antes, como Marcelinho Carioca.
“Com 15, 16 anos, ficava vendo ele na grade, batendo falta sozinho. Aí passa um tempo, tô treinando com ele. Aquele cara batendo na bola é uma coisa absurdo. Era o barulho da bola, as dicas que ele dava, os passos para trás, a dica para deixar o goleiro nervoso. Ele conseguia fazer de uma maneira que não sei se vai ter alguém no mundo para bater na bola como ele,”, recordou.
Foi difícil para Coelho conseguir espaço naquele time. O ex-lateral brinca que, em conversas animadas com Rogério, titular da posição, pedia, em tom de brincadeira: “Toma um amarelinho aí, cara, pelo amor de Deus'” (risos).
Enquanto não jogava, observava. E via um dos maiores times da história do Corinthians em campo. Nos vestiários, um grupo cheio de conflitos.
“O primeiro susto que tomei, foi acho que em um jogo entre Corinthians x Athletico, eu estava de gandula. Ficava na escada do Pacaembu esperando eles subirem. O meio-campo era Vampeta, Rincón, Marcelinho, Ricardinho, o ataque era Edílson e Luisão. E eles não se falavam muito. Acho que estava 2 a 0, 3 a 0, e eu vendo eles conversarem. Aí o Freddy (Rincón) falou assim: ‘Eu não converso com você, não falo com você, você não conversa com fulano, mas é o seguinte: a gente tem que jogar futebol. Torcida do Corinthians está aí, lotando o estádio, e estamos tomando de 3 a 0. Tá na hora de a gente jogar’. Aí escutei aquilo e fiquei vendo eles jogando. Ali eu falei: quero estar com esses caras, quero jogar com eles. Na hora que volto para treinar, eu lembro que eu treinava tanto… A primeira vez é um medo, um receio, você nem abre a boca, nem olha para eles direito”, lembrou.
Ao contrário de muitos meninos hoje em dia, Dyego Coelho não tinha o sonho de jogar na Europa. “Meu sonho sempre foi jogar no Corinthians”. O ex-lateral conta que o primeiro treinamento com os profissionais foi “o melhor dia da vida depois do nascimento das filhas”.
Logo no começo, depois de ver de perto aquele Corinthians de Marcelinho e companhia, Coelho fez sua temporada com mais jogos pelo Timão em outra equipe histórica do Timão: a de 2005.
“Era uma loucura, esses caras chegando. Chegava Tevez, Mascherano, chegava Roger, Carlos Alberto… A gente não acreditava. E tinha uma discussão, porque o Andrés queria porque queria que os meninos da base jogassem. E a gente, há muito tempo lá, eu, Betão, Rosinei, até o Jô, a gente tinha muito comando de casa. Então ficava esse embate. Os caras chegavam, já tinha a base, que tinha muita voz no vestiário, e esses caras todos. A gente queria jogar, eles com milhões, queriam chegar, logo. E teve certo tempo que a gente parou, se juntou e foi sensacional”, contou.
Na maior parte daquele ano, entretanto, o grupo de jogadores do Corinthians era dividido em sub-grupos. Igual o de 1999/2000.
“O pessoal da comissão montava uma sala em ‘u’, cheia de cadeira, e quando ela tava montada, alguém tinha arrumado uma confusão. E toda semana era uma confusão”, lembrou Coelho.
Geralmente, quando Roger estava de um lado, Carlos Alberto estava do outro. Coelho conta um episódio curioso envolvendo os dois.
“A gente estava em Jarinu, fase não muito boa, a torcida… Tinha uns jogando video game, baralho, já era 11h30. Aí teve invasão (da torcida). ‘Cadê o Roger’, todo mundo perguntando. Aí o Carlos Alberto: ‘O Roger é o último quarto lá, pode ir lá buscar ele’. Aí falei: ‘P… Carlos, tá caguetando’. Ele falou: ‘Não, o Roger merece tomar uns apavoro mesmo'” (risos).
Muitos dos problemas com a torcida envolviam a falta de comprometimento de alguns jogadores do grupo. “Eu sempre falava para eles: aqui no Corinthians é diferente, se não correr, vai dar ruim”. Tudo só mudou quando Tevez, então capitão daquela equipe, deu um esporro no grupo.
“Teve um dia que o Tevez falou: ‘Eu não quero mais saber. A partir de hoje, se você não correr, eu vou falar para você sair. Se eu não jogar, todo mundo aqui tá morto’. E era verdade. Se o gringo não jogasse, a gente tava morto. Ele era o que mais ganhava, o que mais corria, o que mais dava carrinho. Aí que o bicho pegou. O Roger, quando machuca, dá uma facilidade também (risos). O Roger, quando estava entrando em campo, não podia correr muito, mas jogava muito. Mas quando era hora de dar um carrinho, ele não ia… Aí quando dá a situação no pé dele (lesão), a gente foi embora. Mas se não fosse o Tevez para puxar fora de campo, a gente não ganhava (o título brasileiro)”.
Coelho, que conheceu Tevez em um torneio de base em Valencia, na Espanha, anos antes, vê o argentino o exemplo perfeito de jogador com a cara do Corinthians. Foi um casamento perfeito.
“De onde ele veio, é muito parecido de onde a maioria dos jogadores brasileiros vêm, que é da favela, comunidade. O Kia acertou tanto, porque o Tevez era a cara do Corinthians. Não tem outro jogador com tanto perfil quanto o Tevez, é muito parecido com o clube. A gente conversava, ele falava, mesma dificuldade que a gente tinha, ele teve lá”, começou por opinar.
“Quando ele veio para o Corinthians, ele começa a falar, da dificuldade, dos pais, do acidente que ele teve, com a água fervendo que caiu no pescoço dele. Aí ele fala: ‘o Boca é minha vida, o Boca me deu tudo’. Aí falei: igual o Corinthians. Já tinha identificação forte de vida dele com o Corinthians. Quando ele entendeu, de fato, o que é o Corinthians, o cara voou”, completou.
Coelho deixou o Corinthians em 2006, voltou em 2008 e encerrou a carreira com apenas 30 anos com problemas físicos. Voltaria ao clube como olheiro, auxiliar técnico, técnico da base e interino no profissional. Com 40 anos, viveu o clube como poucos. Se ele tem uma certeza na vida, é que faz parte do “Bando”.
Fonte: Ogol
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