Pai e filha enfrentam câncer de intestino e a colostomia com coragem, informação e afeto
O Dourados News conta a história de pai e filha que, em momentos diferentes da vida, enfrentaram a mesma realidade: a colostomia. Quando Elisângela Fagundes descobriu que teria que usar uma bolsa de colostomia, foi como se o chão tivesse sumido. Aos 32 anos, professora, mãe de duas crianças pequenas e casada, recebeu a notícia de forma brusca e pouco acolhedora.
Anos depois, foi a vez de seu pai, Pedro Nelson da Silva, hoje com 79 anos, passar pelo mesmo processo. A história dos dois revela mais do que um desafio médico: mostra o quanto informação, acolhimento e vínculos familiares são fundamentais no enfrentamento do câncer colorretal.
Diagnóstico precoce e estilo de vida: os caminhos da prevenção
De acordo com o cirurgião oncológico Aroldo H. S. Boigues, em entrevista ao Dourados News, o câncer colorretal está intimamente ligado ao estilo de vida. “A obesidade, sedentarismo, tabagismo, consumo excessivo de proteína e gordura de origem animal, alimentos multiprocessados, açucarados… são os principais fatores de risco”, alerta.
O médico explica que o diagnóstico precoce é decisivo para o sucesso do tratamento. “O câncer colorretal é o 2º mais comum tanto no homem quanto na mulher, e a cura está intimamente vinculada ao diagnóstico precoce, mudança dos hábitos de vida e alimentação saudável.”
Mas muitos pacientes ainda descobrem a doença em estágio avançado. “O diagnóstico tardio impacta em necessidade de tratamentos mais agressivos e menores chances de cura”, afirma Aroldo.
A notícia que muda tudo
Para Elisângela, o momento do diagnóstico foi um divisor de águas. “Recebi a notícia da pior forma. Morava em Sinop, lecionava em 3 períodos, passei mal com um susto que tomei e de repente fui diagnosticada com um tumor maligno colorretal no intestino. O médico num primeiro momento me disse que teria que usar bolsa de colostomia definitiva. Foi muito ríspido, eu diria desumano.”
O impacto emocional foi imediato. “Fiquei assustada, com medo do que poderia acontecer com a minha liberdade e principalmente com o meu casamento.”
Os primeiros dias com a colostomia
A reportagem conversou com a enfermeira estomaterapeuta Midori Noguiti Diniz, segundo ela o processo de adaptação à colostomia é delicado e cheio de nuances físicas e emocionais. “Geralmente, a confecção de um estoma intestinal é traumática, pois implica em limitações e dificuldades que modificam a rotina e a qualidade de vida do indivíduo acometido.”
Elisângela confirma: “Primeiro, estava tentando entender o que estava acontecendo. Aquelas coisas, porque eu? E agora, quem vai trocar a bolsa a cada 3 dias? Será nojento? Meu esposo vai me abandonar?”
A enfermeira atua há décadas com pacientes ostomizados, ela destaca que o acolhimento e a autonomia são essenciais. “Incentivamos à participação ativa do paciente no tratamento, ensinando técnicas de autocuidado e empoderando-o para lidar com a estomia.”
O preconceito e a vergonha ainda existem
Mesmo com avanços nos cuidados e tratamentos, o estigma sobre a colostomia persiste. “Hoje com mais experiência e ainda o fato de que meu pai é um ostomizado, acredito que as pessoas sentem nojo. Mas é tudo muito higiênico”, comenta Elisângela. “Existem muitos produtos para amenizar o odor, e você pode fazer de tudo com mais cuidado, é claro.”
Midori também alerta: “Apesar de ser um procedimento muitas vezes necessário para garantir a qualidade de vida, a bolsa de colostomia ainda carrega estigmas e falta de informação, levando a situações de preconceito e dificuldades de adaptação social para os estomizados.”
Uma nova missão: cuidar do pai
Após sua recuperação e reversão da colostomia, Elisângela enfrentou um novo desafio: acompanhar seu pai no mesmo caminho. “Descobrir depois de um tempo que meu pai passaria por tudo o que eu havia passado foi difícil demais, tive crises de ansiedade. Mas ao mesmo tempo tive que ser forte para cuidar dele.”
Pedro Nelson, mesmo com 79 anos, mantém uma rotina ativa. “Ele não quer frequentar alguns lugares. Depende muito das pessoas que estarão ao redor dele para se sentir mais confortável. Mas ele leva uma vida normal. Apesar de ter 79 anos, é ativo, dirige, vai pescar. A bolsa não o impede.”
Cuidado com dignidade
O papel da família é crucial, como ressalta Midori. “A autoimagem é modificada, e há a importância da autoaceitação e da aceitação pelo outro, para que haja uma interação nesta complexidade do viver.”
Para Elisângela, cuidar do pai trouxe aprendizados profundos. “Que não planejamos nada neste mundo. Temos metas, mas só Deus sabe de todas as coisas. Que não somos melhores que outras pessoas.”
Visibilidade que transforma
A cantora Preta Gil faleceu no dia 20 de julho de 2025, aos 50 anos, em Nova Iorque, em decorrência de complicações causadas por um câncer no intestino. Ela enfrentava a doença desde 2023 e, durante o tratamento, passou por uma colostomia, tema que tratou com abertura nas redes sociais.
A trajetória pública da cantora Preta Gil com a colostomia foi destacada por todos os entrevistados como um divisor de águas. “A visibilidade que Preta Gil trouxe à colostomia quebrou tabus e ajudou a aumentar a aceitação pública do tema”, afirmou Midori.
Dr. Aroldo reforça: “Hoje uma das principais armas contra o câncer é a informação e sua desmistificação. A desmistificação encoraja a população para realização dos exames de prevenção com o objetivo de avaliar quem não sente nada.”
Uma mensagem de esperança
Para quem passa pelo processo da colostomia, Elisângela deixa uma mensagem de superação: “Hoje tenho várias restrições alimentares, mas o fato de acordar todos os dias, trabalhar e acompanhar a evolução da minha família é o que tenho de mais precioso.”
Midori conclui com palavras que tocam fundo: “A estomia não te define, mas te salva! Guerreiros também choram. Valentes também pensam em parar. Heróis têm cicatrizes.”
Fonte: Dourados News




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