Estrutura precária: HV chega ao limite e mostra necessidade de novo hospital de urgência em Dourados
Enquanto a Policlínica do Hospital Regional de Dourados, inaugurada recentemente, começa a ampliar o acesso da população a consultas e cirurgias eletivas em diversas especialidades, o Hospital da Vida segue como a principal porta de entrada para casos de urgência e traumas.
Os números da unidade municipal, referência para 34 municípios, revelam um cenário de sobrecarga que reforça a necessidade de uma nova estrutura voltada exclusivamente ao atendimento emergencial.
Com leitos lotados, vagas zeradas e centenas de transferências mensais, o serviço opera no limite de sua capacidade e segue como o principal destino de pacientes de toda a região sul do Estado.
Área vermelha onde pacientes recebem atendimento enquanto aguardam transferência para UTI – Foto: Clara Medeiros
Com mais de 100 internações diárias e uma estrutura física marcada por improvisos, o hospital tornou-se o retrato da sobrecarga do sistema público de saúde da segunda maior cidade de Mato Grosso do Sul.
O Dourados News realizou, na manhã de quarta-feira (29), uma visita ao Hospital da Vida para conhecer de perto a rotina e a estrutura da unidade.
Fernanda, diretora técnica da Funsaud, mostrou a estrutura do hospital da Vida- Foto: Clara Medeiros
A visita foi conduzida pela enfermeira Fernanda Enéas da Silva, diretora técnica, acompanhada pelo diretor administrativo Danilo Dias Pereira, ambos da Funsaud (Fundação de Serviços de Saúde de Dourados), responsável pela gestão do Hospital da Vida.
Os diretores afirmaram que o Hospital da Vida mantém uma equipe comprometida, mas reconheceram que opera em condições de limite técnico, financeiro e humano.
“O hospital é porta aberta para 34 municípios, e continua sendo o único ponto de atendimento para traumas e emergências da região, que reúne cerca de 900 mil habitantes”, afirmou Fernanda.
A estrutura física envelhecida, a pressão das urgências e o déficit mensal desenham um cenário em que a construção de um novo hospital municipal não é apenas estratégica é necessária para a sobrevivência do sistema público de saúde em Dourados e região.
“A manutenção do serviço depende do esforço diário de profissionais e gestores que operam no limite, costurando soluções entre convênios, repasses e criatividade administrativa”, afirmou Danilo.
Superlotação
Dados da Funsaud, obtidos pelo Dourados News, apontam uma média mensal de 637 transferências para o Hospital da Vida nos primeiros quatro meses de 2025.
Somam-se a esses números as frequentes situações de vaga zero, quando a unidade, mesmo sem leitos disponíveis, precisa receber pacientes em estado grave.
Foram 695 registros em janeiro e 582 em abril, o que evidencia um colapso operacional contínuo e mostra que o hospital tem operado, mês após mês, acima de sua capacidade real de atendimento.
Em termos práticos, mesmo sendo referência, o Hospital da Vida já não consegue absorver a própria demanda local, muito menos a regional.
“Mesmo quando comunicamos à regulação que estamos em superlotação, os pacientes continuam vindo, porque não há outro lugar para onde ir”, explicou Fernanda.
Os números mostram que Dourados concentra 2.107 transferências e 559 casos de vaga zero, o que representa 26,5% de toda a microrregião. Mas o dado mais revelador é que microrregiões menores, como Naviraí (70,2%) e Nova Andradina (64%), têm proporções altíssimas de vaga zero.
Isso indica que os pacientes dessas regiões estão sendo ‘jogados’ para Dourados por falta de estrutura local e que o Hospital da Vida acaba funcionando como ‘válvula de escape’ de toda a região sul do Estado.
Estrutura adaptada e precária
Clínica médica masculina- Foto: Clara Medeiros/Dourados News
Na ala clínica, a falta de infraestrutura é evidente. Durante a visita, foi observado que não há sistema de oxigênio canalizado, o atendimento depende de cilindros portáteis.
“Temos um banheiro no meio da enfermaria, o que é irregular. O posto de enfermagem fica praticamente dentro do leito dos pacientes. É tudo muito apertado”, descreve Fernanda.
“As condições refletem limitações estruturais antigas, não escolhas de gestão. A equipe atua com o que está disponível, buscando oferecer atendimento digno dentro das possibilidades físicas da unidade”, afirmou Fernanda.
Conforme a diretora, para admitir novos pacientes, as equipes fazem verdadeiras ‘forças-tarefa’.
Equipamentos como ventiladores e monitores são escassos, e até as camas frequentemente quebram, reduzindo o número de leitos disponíveis.
A direção tenta contornar a situação com convênios e doações, mas admite que a estrutura é “totalmente adaptada”.
Espera por leitos expõe rotina de superlotação
Porta de entrada com paciente aguardando por leito- Foto: Clara Medeiros/Dourados News
Na porta de entrada do Hospital da Vida, setor onde chegam pacientes encaminhados para internação ou emergência, a equipe do Dourados News encontrou um homem em uma maca aguardando vaga desde o dia anterior. Segundo uma das enfermeiras, a cena é comum.
“Hoje está até tranquilo, tem só um. Normalmente são cinco ou mais que ficam na porta de entrada aguardando leito para internar”, relatou.
O setor, que recebe pacientes trazidos pelo Samu, Corpo de Bombeiros ou pela regulação de leitos, funciona como área de admissão e avaliação antes do encaminhamento para enfermaria, UTI ou sala de estabilização.
Centro cirúrgico no limite
O centro cirúrgico do Hospital da Vida possui apenas três salas, onde chegam a ser realizadas até dez cirurgias em um único turno da manhã.
As urgências chegam de forma imprevisível e obrigam cancelamentos de procedimentos eletivos.
“Tem dia em que programamos uma cirurgia e, de repente, chegam três pacientes graves, dentre eles baleado, esfaqueado, fratura exposta. A programação cai toda”, relatou Fernanda.
Além disso, o hospital também mantém a responsabilidade por neurocirurgias de urgência e eletivas, o que amplia custos e pressiona a UTI.
“Mesmo com o Hospital Regional previsto para assumir parte das cirurgias eletivas, o contrato de gestão atual obriga o Hospital da Vida a cumprir metas na área de neurocirurgia, sob pena de multa. A direção já articula uma revisão contratual junto à Secretaria de Saúde e à Câmara Técnica de Atenção Hospitalar”, explicou Danilo.
Prefeito reconhece a gravidade e confirma luta por novo hospital
Durante a inauguração da Policlínica, o prefeito Marçal Filho reconheceu que, embora a nova estrutura traga avanços, ela não resolverá o problema das urgências.
“O Hospital Regional vai desafogar alguns atendimentos do Hospital da Vida, mas não é a solução total”, disse.
O prefeito continua em seguida: “por ser porta aberta do SUS, o Hospital da Vida continuará atendendo os 34 municípios. O Regional é um hospital de encaminhamento, regulado, não vai receber quem chega acidentado, por exemplo”, afirmou ao Dourados News.
Marçal destacou ainda que o município articula a construção de um novo hospital municipal e já iniciou conversas com o Ministério da Saúde e o Governo do Estado.
“Estive com o secretário-executivo do Ministério da Saúde pedindo aumento de recursos, e com o ministro Padilha tratando da construção de um novo hospital. Esse é o nosso foco. Dourados precisa de uma estrutura à altura da demanda que recebe”, afirmou o prefeito.
Fonte: Dourados News




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