Crescendo para o alto: aos 90 anos, Dourados entra em ciclo de verticalização urbana

Crescendo para o alto: aos 90 anos, Dourados entra em ciclo de verticalização urbana

Ao completar 90 anos neste 20 de dezembro, Dourados vive um dos momentos mais simbólicos da sua história urbana. Conhecida por décadas como uma cidade horizontal, de quintais amplos e crescimento espraiado, o município começa a redesenhar sua paisagem e sua lógica de ocupação do solo. 

O avanço da verticalização, agora em ritmo acelerado, sinaliza uma mudança de patamar no desenvolvimento urbano e econômico da cidade.

Algo impossível há pouco mais de 10 anos por conta da antiga Lei do Uso do Solo, que implicava a construção apenas de edifícios com número baixo de pavimentos.

O primeiro marco da verticalização douradense surgiu ainda em 1973, com a construção do Edifício Eldorado. No entanto, poucos anos depois, em 1979, a aprovação da Lei nº 1.040 estabeleceu limites rígidos de altura e zoneamento, o que freou de forma significativa o crescimento vertical por décadas.

Agora, quase meio século depois, Dourados entra em um novo ciclo, impulsionado por mudanças legislativas, crescimento populacional, pressão do mercado imobiliário e uma reconfiguração do comportamento urbano da população.

Infográfico ilustrativo da linha do tempo do crescimento vertical de Dourados. Crédito: Dourados News

Um novo ‘boom’ e um novo posicionamento urbano

O anúncio, em 2025, da construção do edifício mais alto do Mato Grosso do Sul, com 44 andares e cerca de 140 metros de altura, é mais do que um símbolo arquitetônico.

Na prática, ele consolida Dourados como uma cidade que passa a operar em outro nível de competitividade urbana, atraindo investimentos de fora do Estado e reposicionando o município no radar do mercado imobiliário nacional.

Fábio Luís- Secretário Municipal de Planejamento Urbano- Crédito: Clara Medeiros/Dourados News

Segundo o secretário municipal de Planejamento Urbano, Fábio Luís, esse processo é consequência direta do próprio crescimento da cidade. Dourados apresenta uma taxa de crescimento populacional superior à média estadual e já trabalha com projeções próximas de 300 mil habitantes entre 2030 e 2035.

“A verticalização é um processo natural de cidades em desenvolvimento. Ela permite colocar mais pessoas em áreas já estruturadas, otimizando o uso da infraestrutura urbana e dos serviços públicos”, afirmou ao Dourados News.

Conforme o secretário, hoje o município contabiliza cerca de 15 grandes empreendimentos verticais em diferentes estágios entre lançados, em construção e em fase de aprovação. 

“Somados, esses projetos representam aproximadamente R$ 2 bilhões em investimentos privados, com impacto direto na economia local, desde a geração de empregos até a movimentação de fornecedores de materiais, serviços e mão de obra’, disse Fábio.

Para o secretário de Planejamento Urbano, a verticalização bem conduzida permite otimizar o que a cidade já tem.

“Quando eu coloco mais pessoas em um mesmo espaço, eu consigo atender mais gente com a mesma escola, o mesmo posto de saúde, a mesma rede de água e esgoto. Isso é eficiência urbana”, afirma.

Em 2025, a Secretaria de Planejamento Urbano emitiu cerca de 2.100 alvarás e habite-se, o que representa aproximadamente 340 mil metros quadrados de área construída. Segundo estimativas internas, cerca de 50% desse volume já corresponde a edificações verticais, o que demonstra a força do movimento.

Infográfico produzido pelo Dourados News com os números fornecidos pela Secretaria Municipal de Planejamento Urbano

Planejamento, contrapartidas e mitigação de impactos

Apesar dos ganhos econômicos e urbanos, a verticalização também impõe desafios relevantes. O principal deles é garantir que o adensamento populacional não sobrecarregue a infraestrutura existente.

Para isso, a Prefeitura atua com instrumentos de governança urbana, como o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), obrigatório para empreendimentos de grande porte.

Esse estudo avalia efeitos sobre mobilidade, saneamento, drenagem, iluminação pública, saúde, segurança e serviços urbanos.

“Não se trata apenas de autorizar um prédio de 20 ou 30 andares. É preciso entender quantas pessoas vão morar ali, quantos veículos isso vai gerar, se a rede de água e esgoto suporta, se o transporte público chega, se haverá impacto no trânsito e na drenagem”, destaca o secretário.

“Dependendo do grau de impacto identificado, o empreendedor é obrigado a oferecer contrapartidas, como abertura ou alargamento de vias, implantação de pontos de ônibus, melhorias na mobilidade e adequações na infraestrutura urbana do entorno”, explicou Fábio Luís. 

Conforme o secretário, esse modelo busca alinhar crescimento econômico com sustentabilidade urbana, evitando gargalos futuros, especialmente em áreas já sensíveis, como mobilidade e drenagem pluvial.

Infográfico ilustrativo- Crédito: Dourados News

O olhar técnico: eficiência urbana e riscos do crescimento desordenado

Alessandro Alves – Professor/Doutor do curso de Engenharia Civil da UFGD. Crédito: Clara Medeiros/Dourados News

Para o professor doutor Alessandro Alves, da Engenharia Civil da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) e do mestrado em Arquitetura da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), o avanço da verticalização em Dourados faz sentido do ponto de vista urbano, desde que acompanhado de planejamento estratégico.

Historicamente, a cidade cresceu de forma horizontal, com baixa densidade populacional e grandes vazios urbanos. Esse modelo, embora preserve características culturais importantes, como o convívio de bairro e a relação com o lote e o jardim, gera custos elevados ao poder público.

“Quando a cidade se espalha demais, o município precisa levar água, esgoto, asfalto, transporte e iluminação para áreas cada vez mais distantes, o que encarece a gestão urbana”, afirmou ao Dourados News.

A verticalização, por outro lado, permite concentrar mais pessoas em regiões já atendidas por infraestrutura, reduzindo custos e tornando a cidade mais eficiente. Também ajuda a conter a expansão sobre áreas ambientais sensíveis, como os córregos que cortam o município.

No entanto, o professor alerta para riscos conhecidos em outras cidades médias brasileiras: sobrecarga pontual da infraestrutura, aumento do trânsito, ilhas de calor, problemas de drenagem e valorização excessiva de áreas centrais, que pode afastar moradores de menor renda.

Verticalização e meio ambiente: risco ou oportunidade?

Do ponto de vista ambiental, a verticalização também apresenta dois lados. Para o professor Alessandro Alves, quando bem planejada, ela pode ajudar a preservar áreas naturais.

“Ao conter a expansão horizontal, a cidade reduz a pressão sobre áreas verdes e sobre os córregos urbanos, que são muito sensíveis em Dourados”, explicou.

Por outro lado, a verticalização sem critérios pode agravar problemas como ilhas de calor, sombreamento excessivo e dificuldades de drenagem.

“Estudos mostram que áreas muito verticalizadas podem registrar diferenças de até 10 graus na temperatura. Além disso, se não houver controle da impermeabilização do solo, aumentam os riscos de alagamentos”, alertou.

Infográfico ilustrativo- Crédito: Dourados News

Segurança, comportamento social e novo perfil de moradia

Outro fator que impulsiona o ‘boom’ vertical é a mudança no comportamento da população. A busca por segurança, praticidade e serviços integrados tem levado muitas famílias a optarem por condomínios verticais.

“As pessoas procuram muito prédio pela sensação de segurança. Isso pesa bastante na decisão de compra”, afirma Fabio Luis.

Além disso, mudanças no perfil das famílias — menores, com menos filhos — aumentam a demanda por apartamentos mais compactos e com áreas de lazer compartilhadas.

Comparações e lições de outras cidades

O professor citou exemplos de experiências de cidades como Campo Grande, Maringá (PR) e Presidente Prudente (SP) que mostram que a verticalização, quando ocorre sem instrumentos de controle, tende a gerar congestionamentos, desigualdade socioespacial e perda de identidade urbana.

“Em Maringá, por exemplo, o processo começou de forma semelhante ao de Dourados, mas a falta de limites claros em algumas regiões resultou em saturação viária e pressão sobre a infraestrutura. Já Campo Grande avançou com instrumentos mais robustos de planejamento, definindo zonas específicas para adensamento”.

“Essas experiências reforçam a importância de Dourados adotar uma estratégia clara: verticalizar onde faz sentido, preservar onde é necessário’, opinou o professor. 

WhatsApp Image 2025 12 09 at 08.02.06Vista parcial de Dourados próximo à região da Embrapa Agropecuária do Oeste, na parte Sul da cidade – Foto: Clara Medeiros/Dourados News

Futuro

“A tendência é que Dourados seja muito diferente daqui a 30 anos. A cidade já entrou em outra fase. Quando você olha isoladamente, vê uma casa aqui, um prédio ali. Mas quando coloca tudo em números, percebe o tamanho da transformação”, destaca Fábio Luís”.

O consenso entre técnicos e gestores é que o futuro de Dourados não está nem na horizontalidade absoluta nem na verticalização irrestrita. 

“O caminho apontado é o da verticalização inteligente, concentrada em áreas com infraestrutura consolidada, corredores e mobilidade e vocação urbana, preservando bairros residenciais tradicionais e áreas ambientais”, afirmou Alessandro.

“Com a revisão do Plano Diretor prevista para os próximos anos, a cidade tem a oportunidade de estruturar esse crescimento de forma estratégica, garantindo qualidade de vida, eficiência urbana e desenvolvimento econômico”, finalizou o professor.
 

Fonte: Dourados News

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