Em plena era da agricultura industrial, pode parecer desnecessário, inadequado e – por que não dizer – bizarro o uso de urina humana como uma forma de fertilizar plantações. No entanto, conforme os pesquisadores buscam maneiras de reduzir a dependência de produtos químicos e combater a poluição ambiental, cresce o interesse no potencial do nosso “xixi”.

Uso de urina humana como fertilizante: método bizarro e ultrapassado ou uma alternativa ecologicamente mais viável? Imagem: MAKSYM CHUB – Shutterstock

“As plantas precisam de nutrientes, como nitrogênio, fósforo e potássio, e ingerimos tudo isso no consumo de alimentos, antes de eliminá-los, principalmente através da urina”, disse Fabien Esculier, que dirige o “Programa de Pesquisa e Ação sobre Sistemas de Alimentação/Excreção e Gestão de Urina Humana e Fezes” (OCAPI), um projeto da École Nationale des Ponts et Chaussées, na França.

Fertilizantes que utilizam nitrogênio sintético, em uso há cerca de um século, ajudaram a aumentar os rendimentos e a produção agrícola para alimentar uma população humana cada vez mais crescente.

No entanto, o uso descontrolado faz com que esses produtos contaminem sistemas fluviais e outras vias navegáveis, causando o sufocamento de algas e o envenenamento de peixes e de outras formas aquáticas de vida. Além disso, fertilizantes químicos também geram emissões de gases de efeito estufa, contribuindo para as mudanças climáticas.

“As práticas modernas de saneamento representam uma das principais fontes de poluição de nutrientes”, disse Julia Cavicchi, do Instituto da Terra Rica dos EUA, em entrevista ao site France 24, acrescentando que a urina é responsável por cerca de 80% do nitrogênio encontrado em águas residuais e por mais da metade do fósforo.

“Para substituir fertilizantes químicos, você precisaria de muitas vezes o peso na urina tratada”, ressaltou Julia. “Mas, uma vez que a produção de nitrogênio sintético é uma fonte significativa de gases de efeito estufa, e o fósforo é um recurso limitado e não renovável, os sistemas de desvio de urina oferecem um modelo resiliente a longo prazo para o gerenciamento de resíduos humanos e a produção agrícola”.

Países desenvolvidos têm projetos para coleta seletiva da urina humana

Julia explica que, antigamente, excrementos urbanos eram transportados para campos agrícolas para serem usados como fertilizante junto com estrume animal, antes que alternativas químicas começassem a substituí-los. “Mas agora, se você quer coletar urina na fonte, você precisa repensar banheiros e o próprio sistema de esgoto”.

Existe uma variedade de projetos voltados para isso na Suíça, na Alemanha, nos EUA, na África do Sul, na Etiópia, na Índia, no México e na França. “Leva muito tempo para introduzir inovações ecológicas e especialmente métodos de separação de urina, que é muito radical”, disse Tove Larsen, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Aquática Eawag, da Suíça.

Segundo Tove, coletar a urina de banheiros seletivos sempre foi considerado algo impraticável, gerando, principalmente, preocupações sobre odores desagradáveis.

Um novo modelo, desenvolvido pela empresa suíça Laufen em parceria com o Eawag, promete resolver esses problemas, com um design que canaliza a urina em um recipiente coletor. 

Vaso sanitário projetado pela empresa suíça Laufen apresenta uma seção curva interna que coleta o líquido sobre e ao redor do recipiente. Imagem: Laufen

Uma vez que o xixi é coletado, ele precisa ser processado. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a urina coletada “descanse” por um período de tempo, embora também seja possível pasteurizá-la. Em seguida, devem ser aplicadas técnicas para concentrar e desidratar o líquido, reduzindo seu volume e o custo de transportá-lo para os campos.

Outro desafio é superar a opinião pública. “Este assunto toca na intimidade”, disse Ghislain Mercier, gerente do setor de Cidade Sustentável e Novos Serviços do Paris et Metropole Amenagement, instituição francesa de desenvolvimento urbano de Paris e dos municípios adjacentes.

Paris vai ganhar bairro ecológico com coleta de urina para fertilizar espaços verdes

Mercier está liderando um projeto de desenvolvimento de um bairro ecológico na capital francesa, com lojas e 600 unidades habitacionais, que utilizarão a coleta de urina para fertilizar espaços verdes na cidade. Ele vê um potencial significativo em grandes edifícios, como escritórios, bem como casas não conectadas à drenagem de rede e restaurantes.

Um exemplo é o 211 Restaurant, equipado com banheiros sem água que coletam urina. “Tivemos um feedback bastante positivo”, disse o proprietário do local, Fabien Gandossi. “As pessoas estão um pouco surpresas, mas vêem pouca diferença em comparação com um sistema tradicional”.

Acostumar-se a usar um banheiro diferenciado está bem longe de aceitar consumir alimentos fertilizados com urina humana. As pessoas estão prontas para isso?

Um estudo de 2020 sobre o tema destacou diferenças de país para país. A taxa de aceitação é muito alta na China, na França e em Uganda, por exemplo, mas baixa em Portugal e na Jordânia.

Para Mecier, como os preços dos fertilizantes sintéticos estão subindo devido à escassez causada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, que também estimulou os países a considerar aumentar sua segurança alimentar, essa pode ser uma oportunidade para dar visibilidade ao assunto.

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