Sexta-feira, Novembro 22, 2024
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Governo muda discurso para encarar CPMI do 8 de Janeiro, mas demora joga contra Lula e seus aliados

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Após meses de impasses e tentativas de obstruções, parlamentares governistas pedem instalação do colegiado, mas curso é incerto e pode complicar imagem do Executivo 

Após meses de impasses e tentativas de obstruções, o requerimento para a instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro será lido na semana que está para se iniciar, em sessão conjunta do Congresso Nacional marcada para a quarta-feira, 26. A etapa regimental, seguida pela escolha dos membros titulares — obedecendo a regra da proporcionalidade dos partidos —, e a instalação efetiva do colegiado vão representar o início de um processo que pode culminar na responsabilização de agentes públicos e impactar a imagem da opinião pública sobre o governo Lula 3, especialmente quanto à transparência do Palácio do Planalto no que diz respeito os atos de vandalismo e depredação dos prédios dos Três Poderes, em Brasília, que marcam o episódio conhecido como 8 de Janeiro. Ainda que, agora, líderes governistas apoiem a criação da comissão composta por deputados e senadores, os resultados podem fugir às expectativas do Executivo e, mais adiante, trazer até mesmo impactos nas próximas eleições municipais.

O primeiro pedido para a criação de uma comissão sobre o episódio da invasão dos Três Poderes foi apresentado pela senadora Soraya Thronicke (União-MS), ainda no mês de janeiro. No total, o requerimento da parlamentar chegou a somar 42 assinaturas de membros da Casa Baixa, número superior ao exigido para instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na época, conhecida como CPI dos Atos Antidemocráticos. Porém, com o início da 57ª legislatura, o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), solicitou que os senadores ratificassem o apoio ao texto, o que não ocorreu em sua maioria. Em uma manobra articulada por lideranças do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), assinaturas foram retiradas, e a CPI acabou perdendo força. Diante deste cenário, parlamentares da oposição concentraram esforços para a abertura da CPMI, reunindo um total de 192 deputados e 37 senadores. Mesmo com um número de assinaturas acima do necessário, o requerimento ainda não foi lido em plenário, sendo alvo de muitos acordos pela base de Lula.

Ainda que membros do primeiro escalão do governo tenham condenado os ataques a Brasília, o apoio formal à instalação da CPMI do 8 de Janeiro — bem como o fim das tentativas de obstrução — aconteceu apenas nesta última semana. A mudança de postura se deu após o vazamento de vídeos que mostram o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Gonçalves Dias no interior do Palácio do Planalto durante a invasão do prédio. Com a repercussão do caso, o militar pediu demissão do cargo e lideranças de Lula passaram a endossar a necessidade de uma investigação para “descobrir a fundo” quem esteve por trás da “barbárie do 8 de Janeiro”. “Queremos [a CPMI] porque no dia 8 de janeiro tivemos três vítimas: a República, a democracia e o atual governo. Não fomos os algozes, mas as vítimas”, afirmou o líder da situação no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), no plenário do Senado. O tom do discurso do braço direito de Lula segue o mesmo entendimento de outros governistas e tem como foco esclarecer à opinião pública a presença de Dias no palácio, bem como provar que o Executivo não tinha informações privilegiadas sobre os atos (coordenados, segundo a esquerda, por bolsonaristas).

A presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), deputada federal Gleisi Hoffmann, também endossa o coro pró-investigações e afirma que os agentes do GSI filmados “colaborando com os invasores” eram da equipe do general Augusto Heleno, ministro do governo Bolsonaro. “Não adianta vir com armação. Invasores, terroristas e golpistas eram todos da turma de Bolsonaro. Vão pagar por seus crimes”, disse em publicação no Twitter. Como a Jovem Pan mostrou, o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), também manifestou posição semelhante, defendo uma apuração “ampla, geral e irrestrita, doa a quem doer”. “Ninguém mais do que o governo quer investigar [os atos de 8 de janeiro]. (…) Foi o nosso governo que agiu, deu celeridade, uniu o país e os Poderes para enfrentar uma tentativa de golpe”, afirmou Guimarães, na última quarta-feira, 19. Sobre as imagens do agora ex-ministro do GSI de Lula, o líder do governo disse que é “retrato de como os bolsonaristas agiram” e afirmou que o general da reserva estava cercado por pessoas “que fizeram essa ação na tentativa de incriminá-lo”. “O país sabe que quem patrocinou os atos de vandalismo foram eles”, completou.

Apesar do apoio de governistas à CPMI, a avaliação é que o momento para a criação de uma comissão de inquérito que possa envolver membros do governo Lula 3 não poderia ser pior. Ainda que lideranças apontem para defesa do colegiado, na prática, a instalação pode “complicar a relação de Lula com o Congresso”, em meio às derrapadas do Executivo para a formação de uma base e às vésperas de votações essenciais para a agenda do governo — como o marco fiscal. O cientista político Paulo Niccoli Ramirez, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), explica ao site da Jovem Pan que a abertura da comissão pode representar dois grandes desfechos políticos: sucesso do governo frente à população, com êxito na defesa da inocência dos membros do Executivo, ou ampliação da oposição no Legislativo, marcada sobretudo pelas lideranças pró-militares e forças policiais. “A ascensão dessa CPMI pode trazer algumas complicações e manchar, inclusive, o andamento e aprovação do arcabouço fiscal. No entanto, a comissão do 8 de Janeiro pode também alavancar a imagem de Lula perante a opinião pública, como também dificultar, daqui para a frente, outros projetos defendidos pelo Planalto”, pondera Ramirez.

O cientista político reforça que a instalação da comissão do 8 de Janeiro, ainda que agora com apoio da base lulista, não é recomendada, especialmente no contexto atual, em que o governo não teve a aprovação de nenhum grande projeto. Entretanto, prevendo  possíveis desdobramentos do colegiado, o especialista pondera que ambos os lados devem usar a futura comissão como palanque, em uma antecipação da disputa das eleições municipais de 2024. Segundo ele, embora não seja possível vislumbrar impactos do colegiado para uma próxima corrida presidencial, nas eleições municipais os reflexos já são esperados. Um cenário que pode favorecer a ala pró-Lula ou minar futuras candidaturas da esquerda. “Para a campanha municipal, claro, vai ter algum impacto, mesmo porque esse debate deve se estender, pelo menos, até o final deste ano e início de 2024, até ser julgado por completo os responsáveis. Essas investigações e os resultados vão permear o debate político até ano que vem”, acrescenta.

Politicamente falando, ainda que para o governo a instalação do colegiado represente uma pedra no sapato do governo Lula 3 em um momento pouco favorável, há quem defenda o princípio republicano da comissão, bem como a sua criação. À reportagem, o cientista político José Niemeyer, também coordenador do curso de relações internacionais no Ibmec RJ, entende como “importante e com perfil republicano” a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o 8 de Janeiro. Por mais que o momento de criação do colegiado não seja o mais favorável ao governo, o cientista vê margem para que a CPMI funcione como um bom termômetro para o Executivo. “O bloco formado por Arthur Lira, com 170 deputados, e o liderado pelo MDB, que tem 123 deputados, mostrou que temos um centro alargado no Congresso Nacional, que antes chamavam de Centrão. Então, pode ser um momento bom para testar se o governo Lula consegue manter uma agenda governamental”, comentou.

Niemeyer pondera ainda que a base governista deve controlar a comissão, ainda que a autoria do requerimento tenha partido da oposição. Com isso, é esperado que as lideranças de Lula ocupem mais assentos no colegiado e o andamento da CPMI acompanhe os interesses da maioria, como visto na CPI da Covid-19. “Esse controle político [pela ala pró-Planalto] também é correto, regimental e faz parte do processo de instalação. É compreensível. O governo terá a maioria na comissão e uma minoria barulhenta da oposição, o que também é correto”, pondera. Sobre o que aconteceu no 8 de Janeiro, Niemeyer entende que a presença do então ministro do GSI e de outros militares deve ser esclarecida: “E a CPMI serve para isso”, diz. “Se o governo tem alguma participação nisso, é muito grave e assim tem que ser investigado e tem que ser explicado. E tem que ser explicado em uma Comissão Parlamentar de Inquérito, esse é o instrumento democrático e republicano para investigar processos que envolvam governo, oposição e a política brasileira”, conclui.

Com o agregado apoio da base lulista à leitura do requerimento para a instalação da CPMI do 8 de Janeiro, lideranças do Palácio do Planalto negociam maior protagonismo dos governistas no colegiado. Membros da oposição ouvidos pela reportagem afirmam que há movimentações para que o relator e presidente da comissão sejam aliados de Lula, o que, na prática, representaria uma vantagem do Executivo para o andamento das investigações. O cenário, no entanto, desagrada. Líder da oposição no Senado e ex-ministro do governo Bolsonaro, o senador Rogério Marinho (PL-RN) critica a tentativa do governo de comandar a comissão. “Eles passaram todos esses meses resistindo à abertura da CPMI e, no momento em que eles enxergam que não vão conseguir impedir a sua instalação, querem controlar a investigação de uma forma absolutamente antidemocrática”, pondera Marinho. Assim como ele, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), um dos cotados pelo partido para assumir um assento no colegiado, alega que o Executivo “tenta abafar o caso” e defende que “a última pessoa a ser presidente e relatora desta CPMI deve ser uma governista”.

As manifestações dos opositores contra o domínio da base governista da futura comissão ganham forças, sobretudo, após o vice-líder do governo, deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ), indicar que a gestão petista ficará com a presidência e a relatoria do colegiado. De acordo com ele, os partidos que compõem a base de Lula “terão maioria” na comissão. “Essa história de o autor da CPMI ficar com relatoria ou presidência é só quando tem consenso. E nunca haveria consenso sobre o nome de André Fernandes“, disse o parlamentar. Em resposta, Fernandes afirmou que os petistas estão “se borrando de medo” da possibilidade dele assumir o comando do colegiado. “E não venham me dizer que sou suspeito, pois lembro-me bem que há dois anos o presidente do Senado, [Rodrigo] Pacheco, não aceitou interferência da Justiça, que alegava suspeição de Renan Calheiros na relatoria da CPI da Covid”, ponderou o deputado, alvo de um inquérito no STF por suposto envolvimento no 8 de Janeiro.

Neste contexto, com manobras da gestão petista já em curso, a avaliação é que caberá aos opositores exercerem sua posição para evitar que o colegiado seja dominado pelos interesses pró-Lula. Da mesma forma, a última saída para os opositores se concentra nos presidentes das Casas Legislativas, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), seguirem o regimento à risca. Ou seja: garantindo que a escolha dos membros para a CPMI do 8 de Janeiro respeite o princípio da proporcionalidade dos partidos. Nesse sentido, o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) defende uma postura “responsável e técnica” dos opositores e questiona a recente defesa governistas pela instalação da comissão: “Querem se fazer de vítima? Querem fazer uma CPMI para inglês ver? Acham que irão manobrar os fatos? E sobretudo, fazer da CPMI uma cortina de fumaça, para cobrir o que de fato, até ontem, tentaram esconder? Pois passaremos tudo isso a limpo”, afirmou. À reportagem, ele admitiu que o governo tem “uma força política ‘bruta’” e está apostando nela encarar o colegiado, mas ponderou: “Na CPMI, tudo pode acontecer”.

Fonte: Jovem Pan News

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