As consequências da guerra no Oriente Médio entre Israel e Hamas já começaram a ser sentidas para além da região e acendem o alerta mundial sobre o aumento da intolerância religiosa, com o antissemitismo no centro das atenções neste momento, além do aumento de ataques terroristas. Na Alemanha, judeus que residem em Berlim acordaram com estrelas de Davi sendo vandalizadas nas portas de suas residências. Uma sinagoga também foi atacada com coquetéis molotov. Esses episódios são suficientes para reacender traumas da década de 1930. Um dos principais objetivos do Hamas, grupo terrorista que atacou Israel no dia 7 de outubro, é acabar com o Estado israelense e com todos os judeus. O chanceler alemão, Olaf Scholz, condenou o ódio antissemita. “Ataques contra instituições judaicas, incidentes violentos em nossas ruas, isso é inumano, repugnante e não pode ser tolerado. O antissemitismo não tem lugar na Alemanha”, escreveu Scholz, em uma rede social. França e Itália também registram atentados a prédios judaicos. Em Roma, uma escola judaica precisou ser evacuada após um alerta de bomba.
Em Londres, segundo a polícia britânica, o número de atos antissemitas e islamofóbicos contabilizados sofreu um grande aumento desde o início do conflito entre Israel e o Hamas. Foram 218 atos antissemitas relatados entre 1º e 18 de outubro, diante de 15 incidentes durante o mesmo período do ano passado, especificou a Scotland Yard em um comunicado. O balanço representa um aumento de quase 1.350% nesse período — que também inclui a semana anterior à ofensiva do Hamas, realizada em 7 de outubro. Esses crimes abrangem atos dirigidos contra indivíduos ou grupos, pessoalmente ou online. Até agora, 21 pessoas foram presas por crimes de ódio na capital inglesa — entre elas, um suspeito de ter danificado retratos de israelenses desaparecidos em Camden, no norte da cidade. “Desde a Segunda Guerra Mundial, esse é um dos momentos mais delicados do antissemitismo, mas tem uma diferença fundamental que divide o século 20 do 21”, destaca Igor Lucena, economista e doutor em relações internacionais pela Universidade de Lisboa. “Quando pegamos o conflito da Segunda Guerra, os Estados Unidos são ausentes, e tinha uma parte da Alemanha nazista contra os judeus. Hoje você tem as nações econômicas e com poderes militar ao lado de Israel.” O professor acrescenta outro ponto crucial entre os dois séculos: “Os judeus não são mais indefesos, eles têm potência militar, financeira e nuclear”.
O ponto abordado pelo professor foi um dos discursos do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, durante visita a Israel. Em entrevista coletiva após a reunião, o chefe de Estado disse que a guerra de agora é o dia mais triste desde o Holocausto, mas que a situação agora é diferente daquela época. “Trouxe lembranças do antissemitismo contra o povo judeu, quando o mundo não fez nada, mas agora é diferente. Não vamos ficar sem fazer nada”, disse Biden. Paulo Velasco, doutor em ciência política pelo IESP-UERJ, lembra que a escalada do antissemitismo é algo percebido em vários momentos em que, de alguma maneira, as tensões entre Israel e os palestinos se tornam crescente. “O antissemitismo acaba sendo uma consequência quase natural para aqueles que defendem a causa palestina e questionam a postura de Israel. Só que existe um desencontro, porque é possível defender a causa palestina sem recorrer a um discurso de ódio”, pontua o professor. Ele destaca que os judeus, em si, nem sequer são violentos.
“O antissemitismo tem uma relação de causalidade com as tensões na Palestina, mas falta uma razoabilidade, na medida que é uma violência, um discurso de ódio praticado contra aqueles que nada têm a ver com a violência praticada contra o povo palestino”, destaca Velasco, para quem essa situação faz parte desse cenário de instabilidade. Lucena diz que, neste momento de tensão, Israel vai ter que ser inteligente em sua forma de atuação. Dependendo da forma que escolher, poderá aumentar ainda mais o sentimento antissemita. “Os israelenses vão ter que ser firme o suficiente para destruir a capacidade financeira e de artilharia do Hamas, eliminando o terrorismo. Mas vão precisar demonstrar que há preocupação com a população”, pontua o especialista, destacando que é importante que eles não usem métodos terroristas. “Vai ter que ter um meio-termo para combater essa questão do antissemitismo”, acrescenta. Será necessário achar um equilíbrio. Se abrir mão do conflito e diminuir a pressão sobre o Hamas, o grupo islâmico vence a guerra ideológica e Israel seguirá sendo vítima eterna do grupo terrorista, até em ataque piores.
Além dessas associações errôneas a respeito dos judeus, também existem outros motivos que fazem com que a perseguição seja algo constante. “Eles têm uma boa capacidade para comércio. Para onde foram, tiveram bons desenvolvimentos, como na Nova Amsterdã, que é Nova York, e Recife. E essa cultura empreendedora é vista como se tivessem arrancado riqueza de terceiros”, explica. Velasco acrescenta que esse ódio tem relação com os tempos remotos em que se via discursos extremamente críticos contra esses povos, muitas vezes relacionado com a prática, por exemplo, de jura, que era a cobrança de juros por dinheiro emprestado. “Havia muito essa visão de que a comunidade acaba prejudicando os interesses da população majoritária de um país a partir de práticas muito ligadas a atividade financeiras”, observa o professor. “Isso fazia com que eles concentrassem grande quantidade de riqueza em detrimento do restante da população daquele país. E essa prática de usura era crime em muitas nações.”
Para além do antissemitismo, também há a preocupação com outros ataques terroristas e a intolerância religiosa. Desde o começo do conflito até agora, já foram relatados assassinatos, ameaças de bomba em pontos turístico e manifestações, tanto pró-Israel como pró-Palestina, a maioria em países distantes do Oriente Médio. Na França, por exemplo, o Palácio de Versalhes precisou ser evacuado seis vezes devido ameaças de atentados. Os aeroportos também foram afetados, sob a mesma alegação. A violência tomou conta da região. Um professor foi assassinado a facadas na escola, e o suspeito reivindicou o ataque em nome do Estado Islâmico. O caso não foi isolado. O jogo entre Bélgica e Suécia pelas Eliminatórias para a Eurocopa de 2024, precisou ser interrompido após dois torcedores serem mortos em um tiroteio. O ocorrido foi classificado como um ataque terrorista, e o primeiro-ministro belga, Alexander De Croo, afirmou ainda que a pessoa que reivindicou a autoria do ataque havia divulgado nas redes sociais um vídeo em que citava inspiração no EI.
Diante desses acontecidos, o presidente da França, Emmanuel Macron, declarou que “todos os Estados europeus são vulneráveis” ao retorno do “terrorismo islamita”. O governo belga ativou o centro nacional de crises e elevou a ameaça terrorista ao nível 4 (muito grave), o maior na escala, na região de Bruxelas, e ao nível 3 (grave) no restante do país. Não foi apenas na Europa que houve relato de violência supostamente ligada a guerra entre Israel e Hamas. Nos Estados Unidos, um menino de 6 anos foi assassinado com 26 facadas, e sua mãe gravemente ferida, após ataque de um homem na periferia de Chicago. As autoridades classificaram o episódio como crime de ódio, uma vez que as vítimas eram muçulmanas, e o autor alegou ter agido em resposta àao ataque do grupo terrorista Hamas. As autoridades americanas estão em alerta sobre a possibilidade da guerra no Oriente Médio levar a atos contra a comunidade judaica ou muçulmana nos EUA.
Esses acontecimentos fazem com que Igor Lucena acredite que haja um aumento da intolerância religiosa, principalmente por dois motivos. Primeiro porque há manifestações nas quais não é possível distinguir entre pró-Israel e pró-Hamas. Segundo que, no próximo ano, haverá duas eleições importantes: as presidenciais nos Estados Unidos e a da União Europeia. “Trump deve defender Israel e bater pesado no islamismo radial, o que vai impactar a intolerância religiosa contra islã”, prevê Lucena. “Os atentados na União Europeia vão fortalecer a extrema-direita para política migratória mais restritiva, principalmente dos países árabes. Vai haver intolerância religiosa causada pelo extremismo, e quem sofre são as pessoas dessas religiões”, complementa o especialista.
Fonte: Jovem Pan News
Comentários