O chanceler alemão Olaf Sholz defendeu a deportação “mais frequente e mais rápida” de imigrantes. A declaração ocorreu em uma entrevista a revista Der Spiegel, onde reforçou seu apoio a Israel na guerra no Oriente Médio e falou sobre a crescente onda antissemita desde que o Hamas atacou o território israelense, em 7 de outubro, e desencadeou em uma guerra que deixou mais de 10 mil mortos em menos de um mês. A fala de Scholz faz referência a uma abordagem mais dura quanto a entrada de imigrantes na União Europeia, tema recorrente nas pautas do bloco frente ao crescente aumento da extrema-direita. Em junho deste ano, a UE aprovou uma nova lei de imigração que dificultará a vida dos refugiados. Isso porque, com a medida, cada país do bloco terá uma cota de imigrantes e passará a adotar uma seleção dos imigrantes mais “aptos” a estar nos países europeus. A proposta é que, uma vez atingida a meta, os demais sejam destinados a países terceiros. A situação, que já vinha sendo discutida, foi acirrada com as ameaças de terrorismo desencadeadas pela guerra no Oriente Médio, o que, consequentemente, tem efeito direto na onda anti-imigração, como apontam especialistas ouvidos pelo site da Jovem Pan. Segundo eles, a situação deve fortalecer grupos radicais que já existem e dar margem para o surgimento de outros, diante desta Europa mais restrita a recepção de imigrantes, mais especificamente a refugiados vindo do Oriente Médio.
“Os eleitores na Europa que tendem à direita, são mais nacionalistas e conservadores, independentemente de terem ali uma religiosidade cristã ou não, eles são mais suscetíveis, segundo diversos estudos, à islamofobia”, afirma o professor de relações internacionais da Fundação Armando, Vinícius Vieira. Segundo ele, parte dos grupos nacionalistas são contra judeus e árabes muçulmanos e consideram os imigrantes incompatíveis com a civilização europeia. O especialista também projeta que a Europa deve enfrentar nos próximos anos ciclos eleitorais fortes, com destaque para a França, em que Emmanuel Macron não pode mais se candidatar, e para Alemanha, que recebe muitos refugiados de países árabes muçulmanos, e tem como partido de extrema-direita o Alliance for Deutschland, que adota uma postura anti-imigração. A projeção é que o discurso adotado seja de combater a islamização: “O terrorismo e radicalismo do Hamas adiciona, sem dúvida, mais elementos a essa retórica que já vinha forte na Europa Ocidental”, fala o professor.
O professor associado do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), Kai Enno Lehmann, concorda, e acrescenta que quando há uma onda de refugiados do Oriente Médio e norte da África, surge uma reação contra isso, tanto politicamente, com o surgimento de países com retórica anti-imigração, mas também em termos sociais. “Vimos isso quando houve a onda de refugiados da Síria. A experiência nos mostra isso. O que também chama a atenção é a diferença entre as reações públicas contra a imigração vindo do Oriente Médio e imigração da Ucrânia, que foi muito mais amigável”, destaca o professor, comparando a forma que a população ucraniana foi tratada quando a Rússia invadiu o país, em 24 de fevereiro de 2022, e a como os palestinos são tratados após os bombardeios na Faixa de Gaza por Israel. Para Lehmann, a adoção de políticas anti-imigração tende a fortalecer os grupos radicais que já existem, como o Hamas. “Tivemos o surgimento de grupos radicais 15 anos atrás com os acontecimentos na Síria. Esses grupos vêm se fortalecendo na Itália, na Alemanha, na Espanha e em vários outros países”, contextualiza.
“É bem possível que esses grupos se fortaleçam ainda mais. Não sei se vai ter novos grupos nesse sentido, porque atualmente, diferente do passado, basicamente todos os países democráticos e europeus já tem um partido significativo como uma plataforma explicitamente anti-imigração”, acrescenta o professor. Vinícius Vieira defende que, com uma Europa mais restrita, imigrantes podem ser mais segregados e, inclusive, submetidos a integração forçada. O professor lembra, no entanto, que historicamente essas áreas apartadas da sociedade europeia são “celeiros de potenciais membros de grupos terroristas”. “Basta lembrar que vários jovens árabes, mas também muçulmanos, foram recrutados pelo Estado Islâmico, não no Oriente Médio, mas na Europa. (…) Eram jovens que não se sentiam pertencentes à Europa”, relembra Vieira. Ele conclui que políticas de restrição são um risco para a a União Europeia, uma vez que pode impulsionar o sentimento anti-imigração e a radicalização. “Com mais pessoas dessas comunidades de imigrantes e seus descendentes sujeitos aos radicais, optando pela luta armada, o que é no caso o terrorismo islâmico”, conclui.
Além dos problemas citados pelos especialistas, há outros fatores que devem ser considerados. Um deles é a dependência dos imigrantes para a mão de obra na Europa. Contudo, neste aspecto, o professor Kai Enno Lehmann destaca a importância de distinguir a política de refugiados e de imigrantes. “Em relação a refugiados, a União Europeia tem acordos. É uma política bastante clara, com o objetivo de reduzir drasticamente o número de refugiados que chegam na Europa. Isso na vasta maioria significa imigrantes vindo na Norte da África e do Oriente Médio”, diz Lehmann, reforçando que as ações para inibir a chegada de novos migrantes devem continuar. Por outro lado, quanto aos civis que a União Europeia requer para preencher o mercado de trabalho e compensar falta de mão de obra doméstica, o professor pontua que haverão iniciativas ao longo do tempo: “Simplesmente porque a Europa não consegue preencher as vagas que tem no mercado de trabalho”. Kai Enno Lehmann projeta ainda que a Europa deve estimular a imigração com vistas ao mercado de trabalho, mas não de países árabes e muçulmanos. A prioridade se dará a nações americanas que possuem descendentes de europeus, com destaque para Estados Unidos, Brasil e Argentina, e, em alguns casos, para cidadãos já têm dupla nacionalidade.
Fonte: Jovem Pan News
Comentários