Para a deputada do PSDB, gestão do líder do Centrão à frente da Casa banalizou as mudanças na Constituição e afetou a independência do Congresso Nacional: ‘Virou uma escolhumbação’, afirmou à Jovem Pan
Ex-líder do governo Bolsonaro no Congresso Nacional e recém-chegada ao ninho tucano, a deputada federal Joice Hasselmann (PSDB-SP) se orgulha de ter sido uma das 17 parlamentares a votar contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria e turbina programas sociais a menos de três meses da eleição. Da tribuna da Câmara dos Deputados, Hasselmann não poupou críticas à proposta, classificada por ela como eleitoreira e tentativa de compra de votos. “Essa PEC rasga a lei eleitoral, rasga a Constituição e o que era crime até agora deixa de ser crime. Compra de voto, doação de qualquer tipo deixa de ser crime para o presidente da República, para os outros não. E a decretação do estado de emergência? O que nós temos de emergência? A emergência está acontecendo na Ucrânia. É muito escancarado, eles nem disfarçaram. Eu não poderia ir a favor de uma PEC que vai arrebentar um pouco do que sobra do teto de gastos e que vai deixar o povo, a partir de 2023, um pouco mais pobre”, disse a deputada em entrevista à Jovem Pan. Joice também sobe o tom contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a quem chama de “trator”, critica a decisão do PSDB de não apresentar um candidato à Presidência da República pela primeira vez desde a redemocratização, sentencia o fracasso da terceira via e afirma que, em um eventual segundo turno entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), anulará seu voto. “Não quero colocar a minha digital em algo que vai realmente prejudicar o Brasil”, justifica. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
A Câmara aprovou a PEC das Bondades neste semana. A senhor classificou a proposta como eleitoreira e manobra para compra de votos. Como a senhora avalia a postura do Congresso ao aprovar um pacote de R$ 41,25 bilhões a três meses das eleições? Perdeu-se o respeito às leis? Totalmente. O presidente da República tem o Congresso, o Centrão aliás, com ele e o Centrão cobra caro – e muito caro. O presidente hoje é uma simbiose. Não vou dizer que ele é vítima, porque foi ele que trouxe o Centrão, mas ele aluga o Centrão para permanecer no governo e o Centrão faz o que bem entende. Tanto é que vimos a aprovação dessa PEC Eleitoral, essa PEC Kamikaze, que tentaram colocar o nome de bondade, mas é só maldade com o povo brasileiro. No primeiro turno, teve eu e mais três deputados [contrários]. No segundo, alguns abriram os olhos e votaram também contra, mas imagina em uma Câmara de 513 deputados ter 14 só. Do meu partido só eu votei contra. Essa PEC rasga a lei eleitoral, rasga a Constituição e o que era crime até agora deixa de ser crime. Compra de voto, doação de qualquer tipo deixa de ser crime para o presidente da República, para os outros não. E a decretação do estado de emergência? O que nós temos de emergência? A emergência está acontecendo na Ucrânia. É muito escancarado, eles nem disfarçaram. Eu não poderia ir a favor de uma PEC que vai arrebentar um pouco do que sobra do teto de gastos e que vai deixar o povo, a partir de 2023, um pouco mais pobre.
Apenas na quinta-feira foram três PECs promulgadas (Bondades, enfermagem e processos no STJ). Com tantas PECs recém aprovadas, a senhora acredita que de alguma forma há uma banalização das mudanças à Constituição? O Brasil é o único país do mundo que a Constituição fica cada vez maior. Enquanto em países sérios temos Constituições muito sequinhas, diretas, pequenas, para que a população possa andar com a cópia dentro do carro, dentro da carteira, no Brasil se aprovam PECs como trocam de roupa. É uma coisa absurda. A banalização é total, absolutamente total. Para a votação de uma PEC já deve haver maioria para que não seja essa coisa simples, só que o governo tem a maioria e o Centrão tem o governo, então eles estão se retroalimentando. Hoje, aprovar uma PEC e aprovar qualquer projeto de lei ordinário é a mesma coisa, basta o Centrão querer.
Na discussão da PEC, o deputado Paulo Ramos (PDT-RJ) acusou o presidente Arthur Lira de agir como líder do governo. A senhora acredita que Lira transformou a Câmara em um puxadinho do Planalto? Infelizmente, não é o que eu gostaria que fosse, mas transformou. Ele é muito alinhado ao governo e se tornou o homem mais poderoso do Brasil, muito mais poderoso que o próprio presidente da República. Na promulgação da PEC, quem falou por último foi o Lira, depois do presidente. Nessas solenidades políticas e públicas existe um rito e o mais importante sempre se fala por último, o esperado era que o presidente falasse, mas quem falou por último foi o Lira, quem deu a última palavra foi o Lira. Ele tem dominado boa parte do Congresso. Só que esse governo que aluga o Centrão acaba sendo refém, porque o que o Centrão quer é que acaba sendo aprovado, mas o Centrão tem uma parte importante do governo na mão dele, como a chefia da Casa Civil, está com Ciro Nogueira, que é o Papa do Centrão. Então, ali virou a mesma coisa, infelizmente não temos mais um Congresso independente, que quer legislar em prol da população. Temos um Congresso com algumas reservas morais e o resto virou uma escolhumbação total. Se o presidente quiser mandar a decretação de estado de sítio, se ele quiser mandar um projeto, uma PEC que coloque estado de sítio, ele pode mudar e é capaz de ser aprovado. Isso só vai mudar realmente quando houver a certeza que o presidente vai perder a eleição, aí o Centrão muda de lado. Qualquer que seja o presidente, seja esse reeleito ou seja outro, o Centrão vai estar com o governo porque é histórico. Esteve com Dilma, Temer, está com o Bolsonaro. Centrão quer poder, cargo, dinheiro, o governo dá, então está tudo certo.
No início do mandato, Arthur Lira prometeu que daria voz igual a todos os parlamentares. Você acredita que isso, de fato, aconteceu? Qual a sua avaliação da gestão de Lira? O Arthur Lira como presidente da Câmara é um trator, ali ele pauta o que ele quer, ele aprova o que quer, reprova o que ele quer, então o poder ficou muito concentrado. Talvez, ele seja o presidente que mais tem a mão de ferro e poder concentrado nas mãos, mais do que o Eduardo Cunha tinha, que foi esse grande ícone do Centrão, que comandava a Câmara com mão de ferro e o Arthur tem isso, ele comanda a Câmara, ele gosta de exercer o poder, ele gosta de demonstrar que tem o poder. Nem combinaria com a personalidade dele dar espaços iguais para aqueles não estão no governo. Quer dizer, aqueles do governo tem espaço nas comissões, cargos que não acabam mais, ele distribui para seus amigos, para os amigos do governo. Na reunião de líderes eles nem discutem, perguntam como é para votar e as reuniões são separadas. A bancada governista faz em um horário e a oposição em outro. Antes era todo mundo junto, tinha um debate sobre os temas, agora até isso é segregado. Ele decide o que ele quer, dá relatoria para quem ele quer, ele exerce o poder que ele tem, não deixa para depois, ele não ameniza.
Para a política o Lira como presidente da Câmara é pior do que o Eduardo Cunha? Não vou dizer isso porque o Eduardo Cunha foi preso em esquema de corrupção. A gente não pode comparar banana com macaco, o Arthur Lira não foi preso, está livre. Tem algumas pendências na justiça, mas tem que definir se cabe ou não condenação. Não posso condenar alguém antes da Justiça. Estou falando em relação a estilo e comando na Câmara, não em relação a moral e legalidade. Para a base governista ele é ótimo, maravilhoso, faz tudo que a base quer e a base faz tudo que ele quer. Então, para quem ele seria ruim? Para a oposição? Ele não está nem aí para agradar a oposição. Sou independente, não estou nem em um lado e nem no outro. Sou oposição da direita, então não estou no meio do governo e também da oposição da esquerda, mantenho a minha independência e conquisto meus espaços na unha, mas tem muita gente que não consegue conquistar espaço.
Nessa semana o Congresso aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias. As emendas de relator foram mantidas, mas a impositividade caiu. O que a senhora pensa do orçamento secreto? Ainda bem que a impositividade foi tirada, mas ainda vão tentar voltar com isso. Esse assunto não está morto, eles vão tentar, depois do recesso, colocar a impositividade das emendas de relator. Nunca foi feito na história, é bem uma coisa brasileira, é a jabuticaba do Congresso. Nunca se fez na história essa movimentação de se colocar milhões e milhões de reais na mão daqueles líderes mais poderosos da Câmara. Para você ter uma ideia, a mãe do Ciro Nogueira recebeu R$ 500 milhões, não é para a mãe dele, é para a campanha. Já comprou a eleição, comprou um monte de prefeito. Não há controle para onde vai esse dinheiro, as compras, então é tudo muito esculhambado. O ideal é que houvesse uma revisão de conceito, creio que as emendas impositivas já atendem os parlamentares.
A senhora recebeu recursos dessa natureza quando era líder do governo? Não tinha orçamento secreto na minha época, isso é novo. Graças a Deus não tinha, só tinha a impositiva e acabou. Não existia esse subterfúgio. Orçamento Secreto é uma bomba que só foi criado agora, nesse ano. Aliás, não sei como o Supremo não fez nada em relação a isso, porque é uma coisa realmente escandalosa. A gente não está falando de uma emendinha a mais para Estados, para ajudar um prefeito aqui ou ali. Estamos falando de valores como se fossem a somatória de muitos prêmios de loterias.
Depois de uma série de crises internas, o PSDB chega a uma eleição presidencial sem candidato pela primeira vez desde a redemocratização. Qual será o tamanho o partido após as eleições? Foi um grande erro não ter candidato próprio à presidência da República. Foi um erro do partido, me posicionei muitas vezes para que tivéssemos candidato, que mantivesses a candidatura de João Doria. Esse negócio de que ele desistiu é conversa fiada, ele foi desistido, o partido desistiu dele. Mas, mesmo que ele não quisesse, haveria outros nomes à disposição. O PSDB falhou muito ao não ter seu candidato, ainda que fosse para marcar posição. Desde a redemocratização o PSDB faz a sua presença nas urnas nas eleições presidenciais. O melhor presidente do Brasil foi Fernando Henrique Cardoso (FHC), sem dúvida, seguido por Michel Temer, que teve menos tempo no governo e não conseguiu mostrar tudo que poderia fazer. Esse é o ponto principal: o PSDB errou ao não ter candidato. O risco do PSDB sair menor existe, mas também existe uma força muito grande dentro do partido de refundar o PSDB. Eu estou dentre esse deputados que querem refundar, dar uma cara nova, tirar aqueles penduricalhos, aquelas verrugas como Aécio Neves. Querem ter ali pessoas descentes e preparadas. Na Câmara, a melhor bancada que existe hoje é do PSDB, digo os mais preparados intelectualmente, mais preparados moralmente. São pessoas que já tiveram cargo de poder tanto na área pública e privada, são líderes que nós temos ali, então o PSDB precisa dessa refundação, precisa limpar onde está sujo, acabar com as maçãs podres. Tirar e jogar fora. A depender do tamanho da bancada a gente vai saber, as perspectivas em São Paulo são boas, de fazer uma boa bancada, maior que temos hoje. Então, creio que apesar das chuvas e trovoadas, o PSDB ainda tem chances de sair maior.
Doria, então, foi traído? Na minha concepção, sim. Foi abandonado pela maioria. Quem ficou ao lado dele foi eu, mais dois ou três. A grande maioria estava pensando na sua eleição, no seu mandato, sem querer participar da candidatura presidencial. Nós precisávamos de um candidato que fosse marcar posição na eleição. Se ia ganhar ou não ia ganhar são outros quinhentos. O PSDB está à deriva. O PSDB nacional fechou com a Simone Tebet, que não se mexe nas pesquisas. A Simone não conseguiu, infelizmente, embalar a campanha, nem o próprio MDB está com ela 100%. É muito difícil [que ela deslanche], temos 80 dias para a eleição e ela já poderia ter deslanchado. Em São Paulo, o PSDB de São Paulo decidiu apoiar outro candidato, então é meio que o samba do criolo doido. Não tivemos um candidato nosso e, agora, não temos ninguém da terceira via que seja realmente viável. Eu, particularmente, sou contra o apoio à candidatura do Bivar. Não vou fazer campanha, não vou me posicionar a favor, porque tenho minhas restrições. E a Simone, com quem tenho um ótimo relacionamento, não temos visto ela conseguir empolgar o eleitor. Oitenta dias é um tempo curto, então é difícil que essa candidatura ande. Não sei se passa na convenção.
O PSDB nacional anunciou apoio à Simone Tebet, mas em São Paulo e no Rio Grande do Sul há um apoio a Bivar. O partido está perdido? O PSDB não está perdido, quem se perdeu foi a terceira via. Não temos ninguém com musculatura para realmente agregar e conseguir ir para essa guerra com chance de vencer. A terceira via está perdida, foi esse tanto de confusão com João Doria, Eduardo Leite, Sergio Moro e a terceira via se perdeu no meio do caminho. Não pode se imputar ao PSDB estar perdido. Simone e Bivar… Tanto faz, porque nenhum tem grandes chances. A candidatura do Bivar é loucura da cabeça dele, show de megalomania dele. Conheço o Bivar como um homem que não tem palavra, nunca cumpriu a palavra com os leais do PSL, vendia o partido como bem queria, assim foi quando o partido rompeu com o governo, depois voltou novamente ao governo. [Agora ele vem] Com essa candidatura que chega a ser farsante: usar dinheiro público e tempo de TV para manter essa candidatura que não tem a menor chance. E esse perfil coronelista do Bivar não me agrada em nada, sou uma democrata, gosto de pessoas que sabem debater e não pessoas que ficam estimulando e treinando a traição dia sim e dia também.
A senhora foi eleita na esteira do bolsonarismo e chegou a ser líder do governo no Congresso Nacional. Se arrepende de ter se aliado ao presidente e de ter ajudado a elegê-lo? Fui eleita ao lado do Bolsonaro, só que quando comecei a apoiar o Bolsonaro já era a jornalista mais assistida do país, não fui na onda Bolsonaro. Eu já era Joice Hasselmann, com vários prêmios de jornalismo e conhecida no país inteiro. Esse atual presidente da República quando candidato era outra pessoa, ele realmente sempre foi chucro, grosseiro, mas se vendia como um homem honesto. Então, eu e um grupo de pessoas acabaram apoiando o Bolsonaro. Meus questionamentos ao governo já começaram na transição, vi que alguma coisa estava errada, mas existia algo muito importante para fazer ao Brasil, se não o país ia quebrar, que é a reforma da Previdência. Não fui líder por escolha pessoal do Bolsonaro, porque nunca me dei com os filhos dele, nunca tive amizade com os filhos dele, sempre tive restrições e não me envolvi com eles em campanha. Para o presidente me colocar líder ele teria que enfrentar líder. Por que ele me colocou? Porque na época, o Rodrigo Maia e o então presidente do Congresso viram que eu conseguia dizer não a pessoa esquizofrênica que é o Bolsonaro, eles enxergaram muito bem isso no caso Bebianno [ex-ministro e um dos aliados de primeira hora de Bolsonaro, com quem rompeu pouco antes de morrer, em março de 2020], que eu consegui segurar um tempo as pontas e eles sugeriram meu nome, como líder do Congresso e assim foi. Entreguei tudo que precisava para o governo até decidir romper em outubro do ano passado, porque ele me exigiu que defendesse os filhos bandidos. Não como quem pede, me exigiu do ponto de vista de ameaçar me agredir fisicamente, esse nível e exigência. Então, rompi definitivamente e me arrependo amargamente de tê-lo apoiado em 2018.
Pesquisas mostram que o segundo turno será entre Lula e Bolsonaro. Quem deve receber seu apoio no segundo turno? Você cogita se aliar ao Lula para derrotar o bolsonarismo? Sou nem nem. Nem Lula e nem Bolsonaro. Tenho um enfrentamento histórico com o Lula, nós nos processamos muitas vezes, eu enquanto jornalista e ele político, ganhei todas, mas nós temos um passado de enfrentamento. Eu brinco que não podem perguntar para mim se quero morrer com um tiro na cabeça ou facada no peito, só não quero morrer. Então, é isso. Não sou obrigada a escolher nem um e nem outro. Até porque, dentro da democracia, o voto nulo existe. Nunca votei nulo na minha vida, nunca, nunca, nunca. Mas talvez esse seja o primeiro ano.
Se omitir nessa polarização não seria pior? O voto nulo é um voto, não é omissão. É uma escolha. Estou escolhendo não votar nem um e nem outro. Não quero colocar a minha digital em algo que vai realmente prejudicar o Brasil. Estou escolhendo não participar do processos.
A senhora fundou um curso chamado ‘Mulheres no Poder’, para dar capacitação política a mulheres de todo país. Quais as suas expectativas para as próximas eleições ?Podemos esperar representatividade feminina no Congresso? O grande papel das mulheres que estão eleitas e conseguiram chegar aos espaços de poder, é tornar os espaços das mulheres mais fácil. Capacitei 500 mulheres, as inscrições se esgotaram em dois dias. Foi lindo, porque foi um curso do básico, como se filiar e escolher um partido, até a capacitação para enfrentar o processo eleitoral. Curso gratuito e acho que todas as mulheres que chegarem aos espaços de poder têm que dar sua contribuição, assim vamos diminuir essa disparidade incrível que existe entre o número de representantes homens de mulheres, nas Câmaras, governos, prefeituras. De governadora temos uma mulher, a cada 100 prefeitos temos 7 mulheres. Na Câmara, de 513 deputados, 78 são mulheres, a representação é muito pequena. Se não puxarmos essas mulheres para esses espaços de poder, os estudos mostram que demoraremos 200 anos para ter um equilíbrio entre homens e mulheres. Não é razoável que um país como o Brasil demore 200 anos para que tenhamos o mínimo de paridade.
Fonte: Jovem Pan News
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