Sexta-feira, Novembro 22, 2024
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Impeachment de Dilma, perfil garantista e brigas no julgamento do Mensalão: Lewandowski deixa o STF como exemplo de atuação técnica

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Indicado por Lula em 2006, magistrado afirma que um dos ‘orgulhos’ de sua carreira no Judiciário foi ter contribuído para a implementação das audiências de custódia: ‘Avanço civilizatório’

O Supremo Tribunal Federal (STF) se despede nesta semana do ministro Ricardo Lewandowski, que anunciou a antecipação da sua aposentadoria na semana passada. Atual vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e prestes a completar 75 anos, idade em que teria que se aposentar de forma compulsória, o magistrado entregou à presidente do STF, ministra Rosa Weber, um ofício em que solicita seu desligamento da Corte em 11 de abril. Segundo ele, a antecipação em um mês da aposentadoria ocorre por  compromissos acadêmicos e profissionais. “Encerro um ciclo da minha vida e vou iniciar um novo ciclo”, ponderou. A última sessão do ministro ocorreu na quinta-feira, 30, quando votou a Ação Rescisória 2921, que, em linhas gerais, decidiu que empate em julgamento de uma de suas Turmas será favorável ao réu apenas em habeas corpus ou recurso em matéria penal, exceto extraordinário. Apesar do voto vencido, Lewandowski disse ter “cumprido sua missão”. “Terminei com voto em que pude expressar, mais uma vez, minha opinião sobre uma interpretação garantista do processo de extradição. (…) Uma visão de que os direitos fundamentais dos acusados devem prevalecer. Saio daqui com a convicção de que cumpri a minha missão”, afirmou, encerrando sua passagem pela Suprema Corte 17 anos após ser indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a vaga decorrente da aposentadoria do então ministro Carlos Velloso.

Enrique Ricardo Lewandowski, que completa 75 anos em 11 de maio, nasceu no Rio de Janeiro, em 1948, e atuou por mais de 30 anos no Judiciário brasileiro. Antes de ser indicado ao cargo na Supremo Tribunal Federal, foi juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo por sete anos (de 1990 a 1997); eleito vice-Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, cargo que exerceu entre 1993 e 1995; e atuou como desembargador do Tribunal de Justiça do Estado paulista, de 1997 a 2006, quando foi indicado por Lula ao cargo máximo da carreira jurídica. No STF, Lewandowski presidiu a Corte e o Conselho Nacional de Justiça de 2014 a 2016, e o TSE de 2010 a 2012, ocasião em que defendeu a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010, o que se tornaria um dos marcos na sua história. Em 2014, exerceu interinamente o cargo de presidente da República, em virtude de uma viagem da então presidente Dilma Rousseff (PT) a Nova York.

Ricardo Lewandowski também coleciona feitos no meio acadêmico. Formado em ciências políticas e sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, o ministro também é mestre, doutor e livre-docente em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). E carrega o título de Master of Arts em relações internacionais pela Fletcher School of Law and Diplomacy, da Tufts University, administrada em cooperação com a Harvard University. Para além das condecorações acadêmicas e responsabilidades impostas pela toga, Lewandowski é definido como um exemplo de serenidade, discrição na condução de seus trabalhos, e, acima de tudo, de um garantista. “Fica um legado de elegância, embora tenha sido combativo em situações em que precisou demonstrar uma firmeza em relação ao Estado Democrático de Direito. Como garantista, a trajetória dele mostra trabalhos relacionados aos direitos fundamentais, destacando a questão relacionada à constitucionalidade da instituição de cotas na Universidade de Brasília”, diz a professora de Direito Carolina Jatobá, do Centro Universitário de Brasília (CEUB), em entrevista ao site da Jovem Pan

Ao longo de seus 13 anos como membro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski participou de importantes votações como ministro da mais alta instância do Judiciário brasileiro. Com sua entrada no STF em 2006, o jurista passou a compor o corpo de ministros já com a tramitação da célebre Ação Penal 470, que julgou os envolvidos no escândalo de corrupção do Mensalão, um esquema de compra de votos parlamentares praticado pelo primeiro escalão do governo Lula em seu primeiro mandato. Em sua primeira sessão sobre o tema, Lewandowski discutiu com o ministro relator do processo, Joaquim Barbosa, que os réus sem foro privilegiado deveriam ser julgados pela primeira instância, o que desmembraria o processo. Por mais que sua demanda tenha sido defendida pelo ministro Marco Aurélio Mello, os demais membros do STF não acompanharam a solicitação e todos os réus envolvidos teria de ser julgados na Corte. Ao longo do processo, o entendimento de Ricardo Lewandowski foi o de que não houve formação de quadrilha durante a prática do Mensalão, inocentando, assim, os réus acusados desta tipificação penal.

Em relação à acusação de compra de votos parlamentares, o magistrado também teve um entendimento contrário e acatou a tese das defesas de que os valores indevidamente obtidos tinham como objetivo financiar a campanha do então presidente Lula. Nos julgamentos de João Paulo Cunha (PT-SP), então deputado federal, e de José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil e braço-direito de Lula, Lewandowski votou pela absolvição de ambos e alegou que o último “abandonou as lides partidárias ao assumir a Casa Civil”, indo de encontro ao entendimento do relator, que apontou Dirceu como chefe do esquema de corrupção. Quanto ao tesoureiro da legenda, Delúbio Soares, o ministro o condenou por corrupção ativa, uma vez que o petista tratava dos assuntos financeiros da sigla. Sua atuação como revisor foi destaque durante os julgamentos, já que um levantamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal seu entendimento foi acompanhado por outros ministros em 90 oportunidades, superando as 82 vezes em que os votos convergiram em direção à relatoria de Joaquim Barbosa. Mesmo com a fama de “bonzinho”, Lewandowski solicitou a condenação réus do Mensalão em 37% dos casos analisados.

Na análise do Recurso Extraordinário (RE) 579.951 no plenário do Supremo Tribunal Federal, ocasião em que os ministros julgaram a constitucionalidade da nomeação de cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau nos poderes Executivo e Legislativo, Lewandowski foi o relator da ação que estabeleceu como proibida a prática de contratação de familiares para cargos públicos. Em outra vertente de protagonismo na Suprema Corte através de sua relatoria, o jurista reconheceu a constitucionalidade das cotas raciais, que ampliou o acesso de negros e indígenas, em universidades públicas. Seu entendimento, em 2012, foi referendado por unanimidade pela Corte. Durante sua argumentação, Lewandowski ressaltou o caráter provisório desta política pública, já que as instituições de ensino devem adotar critérios que respeitem a “razoabilidade, proporcionalidade e temporalidade”.

Conhecida como Lei Complementar nº 135 de 2010, a Lei das Condições de Inelegibilidade foi originada através de uma iniciativa popular, encabeçada por juristas, que reuniu mais de 2 milhões de assinaturas e embasou o pedido para que a lei passasse a aumentar a idoneidade dos candidatos durante os processos eleitorais. Para aqueles que tiverem seu mandato cassado, que renunciarem para evitar a cassação ou que forem julgados e condenados por decisão de órgão colegiado de segunda instância, a medida propõe uma inelegibilidade de oito anos. Aprovado na Câmara dos Deputados em maio de 2010 e no Senado após dois meses, o projeto foi sancionado pelo presidente Lula em junho do mesmo ano. No período em que o projeto de lei tramitou, o texto contou com o apoio do ministro, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que julgou a medida como constitucional. Por seis votos a um, o TSE aplicou a Lei da Ficha Limpa ainda nas eleições de 2010. Após uma briga jurídica dos candidatos que foram barrados pela medida, o plenário do Supremo Tribunal Federal obteve o entendimento de que a medida era válida para o pleito do corrente ano.

Entre 2014 e 2016, enquanto exerceu o cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como membro titular, Lewandowski foi um defensor e responsável pela implementação das audiências de custódia no país, nas 27 unidades da federação brasileira. A medida garante ao preso em flagrante que o mesmo seja apresentado a um juiz no prazo máximo de 24 horas. O próprio ministro trata sua atuação no processo de implementação das audiências de custódia como uma das grandes bandeiras de sua trajetória. “Tenho a grande satisfação de ter contribuído para que fossem implantadas as audiências de custódia em nossos país. Foi um avanço civilizatório, é claro que não fiz isso sozinho. Fiz com colaboradores do Conselho Nacional de Justiça. Foi uma iniciativa, no primeiro momento, que se baseava apenas no Pacto de São José da Costa Rica, houve uma certa controvérsia com relação à implantação das audiências de custódia, que consiste na apresentação de qualquer preso, em 24 horas, a um juiz. Isto é algo que, não só contribui para impedir os encarceramentos que não são devidos, que podem ser tratados com outras medidas penais, de natureza cautelar, mas é um instrumento importante para que se possa impedir e prevenir a tortura daqueles que estão sob a custódia do Estado. Esta é uma das iniciativas das quais muito me orgulho. Isto é, hoje, uma realidade, porque foi positivada, faz parte do Código de Processo Penal. Esta é uma das realizações que levo para esse novo ciclo que vou iniciar”, disse em seu pronunciamento de despedida do Supremo.

Durante a pandemia da Covid-19, em um de seus votos notórios mais recentes, Ricardo Lewandowski foi o relator da ação que assegurou a obrigatoriedade da vacinação de modo a impor restrições indiretas àqueles que não se vacinarem, como o impedimento para frequentar determinados locais públicos, por exemplo. Mesmo com o entendimento, a imunização compulsória não significaria a aplicação da dose de maneira forçada, já que a vacinação deve ter o consentimento do usuário. Na análise do mestre e doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Antonio Carlos de Freitas Júnior, o ministro Lewandowski notabilizou-se enquanto membro do Supreo Tribunal Federal pela atuação firme na propagação, defesa e garantia dos direitos fundamentais, “sempre com correção técnica e utilização dos elementos da Constituição”. Para a professora Carolina Jatobá, que leciona Direito no Centro Universitário de Brasília, além das decisões técnicas de Lewandowski, destaca-se seu legado deixado de bastante gentileza. “As pessoas que tive oportunidade de conversar e que conviveram com o ministro, destacam a personalidade, humildade, elegância e generosidade com todos”.

Polêmicas e controversas

No ano de 2016, ao exercer o cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal, coube ao ministro presidir o julgamento da denúncia por crime de responsabilidade, que culminou no impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), no Senado Federal. Durante o discurso de abertura da sessão da Casa Alta do Legislativo, Lewandowski pediu aos parlamentares que “transmudam-se a partir de agora em verdadeiros juízes”, de modo a “deixar de lado o tanto quanto possível, pois afinal são seres humanos, suas opções ideológicas, preferências políticas e inclinações pessoais”. No entanto, ao fim do julgamento, Ricardo Lewandowski utilizou-se de uma manobra regimental no Senado para fracionar o julgamento do impeachment e promover votações separadas sobre o afastamento da então presidente do cargo de chefe do Executivo e da cassação de seus direitos políticos. A ação possibilitou que a política fosse destituída do cargo, mas mantivesse legível para às próximas eleições. No entanto, a decisão causou controvérsia entre especialistas jurídicos por ferir o princípio da Lei da Ficha Limpa, que prevê a inelegibilidade por oito anos dos políticos cassados de cargos eletivos.

Em mais de uma ocasião, o ministro Lewandowski, na posição de revisor do julgamento do Mensalão, entrou em rota de colisão com o relator e ministro Joaquim Barbosa. Em um dos episódios mais icônicos, durante análise dos embargos de declaração, o magistrado solicitou que a Corte suspendesse a sessão em decorrência do horário tardio em que a análise estava sendo realizada. Barbosa, então, cobrou celeridade ao examinar os embargos em questão. Lewandowski questionou o motivo da pressa no plenário e ouviu: “Pressa para fazer nosso trabalho e não chicanas”. Ao pedir que o relator se retratasse, Barbosa disse que não o faria. “Eu não admito isso, Vossa Excelência está dizendo que estou brincando?”, questionou Lewandowski. Novamente durante sessão de análise da AP 470, Barbosa irritou-se com a argumentação e sugeriu que seu par estaria fazendo “vistas grossas” durante sua argumentação. Em meio a um bate boca com outros ministros, Ricardo Lewandowski afirmou que não seria Joaquim Barbosa o responsável por diz a ele o que deveria ou não fazer. “Por favor, não me dê conselhos. Vossa Excelência precisa ser mais claro. Está dizendo que faço uma leitura deliberadamente equivocada dos autos ou que quero induzir a erros os meus pares? Diga explicitamente. Estou perplexo com essa situação”, afirmou. O ápice do conflito entre ambos ocorreu no julgamento da mesma ação penal durante sessão de votação da dosimetria das penas do núcleo político investigado. Ao ser acusado de causar uma “obstrução” nos trabalhos judiciários e de não ter voto para explicitar, o revisor exigiu que Joaquim Barbosa se retratasse. “Não tem retratação alguma”, respondeu o ministro relator. Lewandowski, por fim, respondeu: “Então não fico no Plenário”. Em seguida, o ministro abaixou a tela de seu computador e abandonou a sessão.

Entre especialistas, a avaliação é que Ricardo Lewandowski deixa como legado o impacto positivo de uma “atuação refinada” em todas as esferas de atuação no Judiciário. Contudo, juristas ponderam que ainda não é mensurável se a substituição do magistrado representará mudanças no entendimento ou no cenário atual da Suprema Corte. Isso porque o sucessor de Lewandowski será um ministro também indicado por Lula, o que pode garantir a escolha de um perfil semelhante. “Não sabemos quem será o seu substituto, às vezes pode ser algum jurista que faça jus à cadeira de Lewandowski e continue esse trabalho técnico importante. O fato é que ele impactou muito positivamente e há de ter um lugar na histórica jurídica nacional”, avalia Antonio Carlos de Freitas Junior, professor de Direito Constitucional e doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), que exalta o perfil do magistrado. “Ele tem uma bagagem política, componentes políticos, mas o que há de se ter muito claro e render homenagens é o aspecto técnico, sempre primar pelo entendimento Constitucional, inclusive se diferenciando de outros membros da Corte. O STF tem cada vez mais que primar pela técnica constitucional, para atuar como guardião da Constituição”, conclui.

Entre os principais cotados para a vaga deixada por Enrique Ricardo Lewandowski está o advogado Cristiano Zanin, que defendeu o presidente Lula no processo da Lava Jato. Como o site da Jovem Pan antecipou, o advogado ganhou favoritismo após conseguir a libertação do atual presidente, que passou 580 dias preso, e emplacar a tese da suspeição do então juiz e atual senador Sergio Moro. Em contrapartida, outro nome que ganha espaço é o do jurista Manoel Carlos de Almeida Neto, que tem como cabo eleitoral o próprio ministro Ricardo Lewandowski, de quem é próximo. Embora tenha negado conversas com o chefe do Executivo sobre seu sucessor, o magistrado tem trabalho para a escolha do seu ex-auxiliar. Almeida Neto foi secretário-geral do STF durante a gestão de Lewandowski, entre 2016 e 2018, e também foi chefe de seu gabinete. Ele também atuou como chefe jurídico da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Contudo, sua atuação é alvo de críticas e virou munição para os seus adversários. Além dele e de Zanin, outros nomes integram a lista dos cotados ao longo dos últimos meses, entre eles o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, e ministros de tribunais superiores, como Benedito Gonçalves, Luís Felipe Salomão e Mauro Campbell Marques.

Fonte: Jovem Pan News

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