A iminente mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o porte de drogas e a possível fixação de critérios para diferenciar o consumo próprio do tráfico de entorpecentes poderia levar à revisão de até 50% das apreensões por cannabis no Brasil. A conclusão é da pesquisa “Critérios Objetivos no Processamento Criminal por Tráfico de Drogas: Natureza e Quantidade de Drogas Apreendidas nos Processos dos Tribunais Estaduais de Justiça Comum”, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgado em maio deste ano. Segundo o estudo, que analisa o registro em ações penais dos tribunais estaduais, se estabelecida a faixa de quantidade para presunção de porte para uso entre 25 g e 100 g, entre 30% e 50% dos processos de tráfico relacionados à cannabis poderiam ser presumidos como porte para consumo pessoal. Ou seja, considerando a Lei de Drogas (11.343/2006), os indivíduos envolvidos estariam livres da pena privativa de liberdade, uma vez que a legislação atual não inclui essa punição para o consumo de entorpecentes.
A discussão sobre o tema ganha força com a retomada do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635659, com repercussão geral reconhecida. O caso analisado se refere ao recurso da Defensoria Pública contra a prisão em flagrante de Francisco Benedito de Souza, que portava três gramas de maconha dentro do Centro de Detenção Provisória de Diadema. Até o momento, o STF soma pelo menos quatro votos favoráveis a algum tipo de liberação. O primeiro foi apresentado pelo relator, ministro Gilmar Mendes, em 2015, com parecer favorável à descriminalização de todos os tipos de drogas. Abrindo divergência, o ministro Luís Roberto Barroso se posicionou favorável à liberação apenas do porte de maconha, com a fixação de que até 25 gramas pode ser considerado porte para uso pessoal ou a plantação de até seis plantas fêmeas. Por sua vez, o ministro Edson Fachin considera a regra inconstitucional exclusivamente em relação à maconha, embora entenda que os parâmetros para diferenciar traficantes de usuários devem ser fixados. Já o ministro Alexandre de Moraes propôs a fixação de um critério nacional, também exclusivamente em relação à maconha, sendo de 25 a 60 gramas ou seis plantas cannabis fêmeas para uso pessoal.
O estudo do Ipea corrobora com esse entendimento e aponta que, no cenário nacional, há uma predominância de processos de tráfico relacionados a pequenas quantidades de maconha e de cocaína, casos em que seria possível presumir posse de drogas para uso pessoal se fossem adotados critérios objetivos de quantidade. “Os registros de quantidades de drogas nos processos são imprecisos, a ponto de não se saber se a substância foi pesada com ou sem o recipiente que a continha”, afirmam as pesquisadoras do Ipea Milena Karla Soares e Natalia Cardoso Amorim Maciel. Em suma, ainda que o Supremo defina pela descriminalização do porte de drogas e estabeleça critérios para diferenciar o consumo do tráfico de entorpecentes, para que ocorra a revisão das apreensões e casos julgados caberá a cada indivíduo detido apresentar um recurso à Justiça, solicitando revisão da pena, explica a advogada Thaís Molina Pinheiro, especialista em direito penal e pós-graduada em processo penal pela Universidade de Coimbra. “Quem tiver antecedentes por tráfico de drogas, mas se enquadrar na definição legal de porte para uso pessoal também poderá ingressar com uma revisão criminal para que não conste mais a condenação”, concluiu.
Fonte: Jovem Pan News
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