A Câmara dos Deputados concluiu nesta quinta-feira, 14, a votação do Projeto de Lei da minirreforma eleitoral (PL 4438/23), que agora segue para o Senado Federal. O Congresso tem acelerado a tramitação das novas regras neste mês, já que as mudanças dependem da sanção presidencial até o dia 6 de outubro para terem validade nas eleições municipais de 2024. De acordo com o texto, o PL faz “pequenos ajustes em questões pontuais”, como regras de inelegibilidade, financiamento e cotas para candidaturas femininas e punições para crimes eleitorais. Também buscou-se atualizar a legislação para mudanças nas regras de transações eletrônicas, como regular o Pix e as “vaquinhas eletrônicas” no financiamento das campanhas eleitorais. O PL é de autoria da deputada Dani Cunha (União Brasil) e foi relatado pelo deputado Rubens Pereira Júnior (PT). Frente a essas mudanças, que devem vigorar já no pleito eleitoral do ano que vem, o site da Jovem Pan elencou abaixo os cinco pontos mais polêmicos da proposta.
O PL aprovado na Câmara prevê mudar a contagem do prazo de inelegibilidade de políticos que perdem o mandato. Nos moldes atuais, um deputado que hoje é cassado fica inelegível pelo resto do mandato e por mais oito anos seguidos. Pela minirreforma, esse período de inelegibilidade seria de apenas oito anos a partir da perda do mandato, o que reduz a punição. Para o doutorando em direito pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e coordenador adjunto da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), Bruno Cezar Andrade de Souza, apesar de ser um afrouxamento à atual pena, a mudança serve para garantir os direitos políticos de eventuais cassados. “A justificativa apresentada pela Câmara guarda relação com respeito aos direitos fundamentais, no caso os direitos políticos de a pessoa ser candidata. A Câmara dos Deputados compreendeu que a forma como a lei hoje está redigida pode ter, digamos assim, uma pena perpétua de afastamento da vida política.”
“Imaginemos o caso de senador da República, que tem um mandato de oito anos. Essa pessoa pode ficar até 16 anos inelegível caso perca o seu mandato no primeiro ano de eleição, porque ele ficaria todos esses sete, oito anos do prazo do mandato e mais oito anos após o mandato, ou seja, 16 anos inelegível. Então, penso que o sentido é dar mais segurança jurídica ao parlamentar e aumentar o grau de deferência de respeito aos direitos políticos do cidadão”, explicou.
Também foram apresentadas novas datas para o calendário eleitoral. O registro de candidatura deve ser mudado para as 19h de 26 de julho do ano eleitoral (atualmente ele vai até as 19h de 15 de agosto). Além disso, o prazo de julgamento dos registros de candidatura deve ser alterado até a antevéspera da eleição. Atualmente, a Justiça Eleitoral tem que julgar os registros em até 20 dias antes do pleito. Na justificativa, o PL diz que tais mudanças são para gerar mais tempo para os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) examinarem as impugnações e inelegibilidades, o que pode evitar a anulação de candidaturas após a eleição, como aconteceu com o ex-deputado Deltan Dallagnol neste ano.
Bruno Cezar argumenta que a medida é fundamental para que o processo seja julgado respeitando o devido processo legal, mas destaca que isso não impede que candidatos eleitos sejam julgados após o pleito: “A gente tem processos mais complexos e outros processos mais simples. Normalmente, os processos mais complexos vão durar até depois da eleição, mas a maioria dos casos, com essa ampliação de prazo, vai conseguir ser julgada dentro do prazo eleitoral, do período eleitoral antes da eleição, ainda que situações pontuais sejam julgadas posteriormente conforme a complexidade do processo”.
A proposta ainda estabelece mudanças em regras da propaganda eleitoral. A principal alteração diz respeito à possibilidade de se realizar publicações na internet no dia da eleição, desde que não haja impulsionamento (quando a campanha paga para entregar o conteúdo a mais usuários da rede social) e que a postagem seja feita no perfil pessoal do candidato. A Lei 12.034, de 2009, já tinha proibido a realização de propaganda na internet 48 horas antes e até 24 horas depois da eleição. Mas, de acordo com o especialista em direito eleitoral, a lei não foi tão clara sobre o dia da eleição. “A Justiça Eleitoral definiu que o impulsionamento não poderia ser feito no dia da eleição, mas isso a Lei 12.034 já falava, e ampliou dizendo que novos conteúdos não poderiam ser postados na internet no dia da eleição”, explicou.
Por isso, o especialista defende que a minirreforma não abre brecha para uma espécie de “boca de urna virtual” e tem o sentido de regulamentar postagens pessoais dos candidatos: “Isso guarda um pouco de relação com o respeito à liberdade de expressão e respeito à manifestação individual, similar ao que um eleitor pode fazer no dia da votação. O candidato quando vai andar no dia da votação e ir ao local de votação, ele pode, por exemplo, usar um broche da campanha dele. Ele vai estar divulgando a sua manifestação de pensamento. Então, se o legislador permite isso na internet, seria o caso de preservar essa liberdade de expressão apenas, exclusivamente, naquele ambiente onde o candidato é o dono da rede social”.
O projeto aprovado determina que os partidos deverão destinar, no mínimo, 30% de recursos dos fundos eleitoral e partidário a essas candidaturas. A regra também estabelece que os repasses deverão ser proporcionais ao número de candidaturas negras e femininas registradas. Ou seja, caso existam 50% de candidaturas que se enquadrem nesta cota, 50% dos recursos devem ser destinados respectivamente. No entanto, a minirreforma permite que o dinheiro seja repassado a despesas comuns entre mulheres e candidatos do sexo masculino, “desde que haja benefício para campanhas femininas e de pessoas negras”. O texto, contudo, não define quais seriam esses benefícios. A doutora em ciência política da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Núcleo Democracia e Ação Coletiva do CEBRAP Beatriz Rodrigues Sanchez destaca que a mudança pode permitir o desvio indevido de recursos. “Ao não definir exatamente quais seriam esses benefícios para candidaturas femininas, abre uma brecha para que esses recursos possam ser utilizados para candidaturas masculinas.”
“Você coloca no panfleto um candidato grande de um lado e uma mulher pequena no verso, por exemplo, e isso pode ser considerado como um incentivo ou investimento em candidatura feminina. Você tem uma candidatura, por exemplo, para prefeito e coloca um homem como prefeito e a mulher como vice. Aí repassa investimento nessa candidatura, só que você está investindo numa candidatura de um homem na cabeça de chapa”, argumenta. Outra determinação do PL diz respeito à cota mínima de 30% de candidatas mulheres ser preenchida por uma federação, e não por cada partido individualmente. No caso, se duas siglas estiverem federadas, uma delas não precisa ter 30% de candidatas, desde que a outra legenda compense este percentual.
Sanchez aponta que a mudança enfraquece a legislação anterior, que obrigava todos os partidos a cumprirem a cota: “É uma forma de enfraquecer a representação política das mulheres. Essa ideia de que a federação deve cumprir os 30% parte muito de uma perspectiva da cota para candidaturas femininas como um teto, e não como um patamar mínimo. Todo o objetivo da lei de cotas sempre foi pensar a representação feminina, os 30%, como um mínimo, um patamar mínimo para a representação. Quando você fala que a federação tem que cumprir e aí cada partido compensa os 30%, a ideia é de que os partidos, depois de cumprirem os 30%, não precisam fazer mais nada. Vai muito contra a perspectiva de aumentar a representação política das mulheres e torná-la de forma mais igualitária. Outro problema é que você desobriga os partidos individualmente a cumprirem a cota (…) Isso abre uma brecha muito grande para que partidos que não querem cumprir a cota possam não cumprir e mesmo assim a federação cumpre.”
A minirreforma também determina mudanças nas punições de determinados crimes eleitorais. No caso, o PL cria a possibilidade de a Justiça Eleitoral aplicar multas como alternativa à cassação da candidatura em caso de acusados por compra de votos e por uso e arrecadação ilícita de recursos. O projeto ainda prevê que eventuais sanções a uma sigla integrante de federação partidária não poderão ser aplicadas a todos os outros membros da federação, apenas ao partido que cometeu irregularidades. O especialista em direito eleitoral Bruno Cezar Andrade de Souza critica a possibilidade de punição com multas ao invés de cassação. “A aplicação alternativa de multa é um problema muito grave. Então, o pesquisador Diogo Cruvinel tem uma fala com a qual concordo que diz ‘quando o ilícito é penalizado apenas com a multa, a gente já sabe que a regra foi feita mirando especificamente os pobres’. Porque quando é apenas multa, o rico normalmente paga a multa e continua cometendo o ilícito e segue a vida normalmente.”
Com relação à diferenciação da punição entre partidos políticos e federações, Bruno Cezar avalia que a mudança é pertinente: “A federação é um instituto novo no direito eleitoral brasileiro e, por vezes, a federação não tem instrumentos e ferramentas necessárias para punir, para fazer um accountability dos partidos que a compõem e aí ele ser punido. A federação ser punida por uma medida tomada por um partido que ela não pode controlar poderia ser muito grave.”
Fonte: Jovem Pan News
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