A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de rejeitar a tese do marco temporal para demarcação das terras indígenas esvazia o Projeto de Lei 2903/2023, que tramita na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado Federal e propõe, em sentido oposto à Corte, fixar na legislação um parâmetro de áreas a comunidades originárias. Por 9 votos a 2, o plenário do Supremo descartou na última quinta-feira, 21, o entendimento de que comunidades originárias só podem reivindicar terras já ocupadas em 5 de outubro de 1988. Com o resultado, fica vencida a proposta do Parlamento antes mesmo de ir para votação em plenário, cenário que impõe uma derrota significativa para defensores do marco temporal e membros da bancada do agronegócio, que prometem ir “às últimas consequências” para reverter a decisão do STF, incluindo a apresentação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) ou, até mesmo, uma nova constituinte.
“Avançar em uma matéria em fase final do Parlamento, que impacta as relações sociais de brasileiros e brasileiros, é expor que a Constituição privilegiou indígenas em detrimento de todos os demais. (…) O STF tem se colocado como legislador, usurpando competências do Congresso. Não existe a mínima possibilidade de aceitarmos isso calado”, afirmou o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR). Em conversa com jornalistas na última quinta, o parlamentar disse que o STF usurpa competências do Legislativo ao decidir sobre o tema. Contudo, advogados constitucionalistas ouvidos pelo site da Jovem Pan afirmam que, uma vez que não existe uma definição sobre os critérios para a caracterização das terras indígenas para a demarcação e muitos casos na Justiça, cabe aos ministros interpretarem a Constituição. “Pode-se dizer que o Legislativo ‘demorou’, por isso foi necessária a intervenção do Judiciário sobre o tema, o que geralmente ocorre em casos onde há lacunas legais e disputas entre partes com interesses contrários. Sendo assim, ao julgar o marco temporal o STF cumpre seu papel, vez que o Congresso demorou a cumprir o seu”, explica o advogado constitucionalista Antônio Carlos Freitas Júnior à reportagem.
Em entendimento semelhante, os advogados Fábio Santana e Acácio Miranda também defendem que é legítima a manifestação do Supremo. Para Santana, embora a relação entre os Poderes da República seja sempre “muito polêmica”, neste caso, a análise reside menos no campo da competência constitucional do STF e mais na segurança jurídica. “Em razão de uma aparente mudança de entendimento em relação ao posicionamento adotado no caso Raposa Serra do Sol”, resume. Por sua vez, Miranda aponta uma omissão do Congresso de discutir temas mais complexos. “O papel de legislar é do Congresso? É. Mas uma vez que o Congresso não exerce [esta prerrogativa], acaba sobrando para o Supremo essa função e esse tem sido o problema. Se estivesse o Parlamento debatendo essas questões antes de chegar à pauta do STF, não teríamos este tipo de problema”, conclui.
Pedro Lupion e outros parlamentares da bancada do agro, como o senador Marcos Rogério (PL-RO), relator do PL do marco temporal no Senado, argumentam ainda que a decisão da Corte não inviabiliza a continuidade do debate no Parlamento, bem como não impede que a Casa Alta aprove uma nova legislação. “O que não podemos aceitar é que o STF ultrapasse os limites dos Poderes. Temos a bancada mais forte do Congresso, que tem a melhor articulação política. Vamos continuar trabalhando pela aprovação”, completa. De fato, ainda que represente um “balde de água fria” na tramitação, a decisão do Supremo sobre o tema não impede que o Parlamento continue debatendo o assunto ou aprove novas legislações. Entretanto, caso o PL 2903/2023, bem como a futura PEC do marco temporal ou outros projetos abordem o mesmo objetivo já decidido pelo STF, a decisão da instância máxima do Judiciário deve prevalecer.
Fonte: Jovem Pan News
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